segunda-feira, 30 de junho de 2014

Sem futuro


perguntas pelo sentido da vida
pelo destino a eternidade
ou temas como a solidão
a angústia a felicidade
não são inerentes a uma suposta
condição humana
antes pertencem a contextos
pelos quais é preciso perguntar
imagine se o seu filho ainda jovem
se interessar por tudo isso
quantos anos você envelhece?
algum bororo ou kayapó
ao tecer uma arte plumária
lembrou-se de ser triste ou só?
há na Ilíada algo parecido?
quando estes assuntos vem à baila
 você lê de novo a Bíblia o Capital Ser e Tempo
Náusea Anti-Édipo
talvez faça tudo isso mesmo
ou beba vá à zona se torne vereador
ache muito importantes as questões levantadas
pelo debate político e suas alternativas encalacradas
ou tente ser o que não é faça churrasco
compre uma Harley-Davidson
mas nada disso pertence senão a vidas em risco
sociedades sem futuro
algo mal compreendido e pior vivido
sem chance sem saída

                                                    Igor Zanoni

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Minério


quando dois amigos conversam
entre suas palavras há outras escondidas
que conhecem e desconhecem
o carinho que têm um pelo outro
passa por um exame velado
é o fulcro de uma  mineração
que nesse momento da vida
julgam promissora mas ignoram quanto
ou se estão enganados
tão certo é o encontro quanto sua fragilidade
sempre se precisa de cuidado com os vidros
e as caixas não têm sempre escrito
este lado para cima
uma intensa curiosidade pelo amigo
deve ceder espaço à tentativa de conhece-lo
e de se deixar também ver
até o momento em que damos
uma gostosa palmada na própria perna:
então era isso?
pois ninguém é tão misterioso ou obscuro
é até engraçado ver como nos confundimos
com a clareza que querendo ou não oferecemos


                                                      Igor Zanoni

terça-feira, 24 de junho de 2014

Alberto

Nesta cidade onde os barbeiros são raros e idosos, há um bom tempo faço a barba em uma galeria no centro com o Alberto. Professores e barbeiros gostam de conversar e ele deve ter-me achado um sujeito da velha guarda. Conta quando foi a um show do Abba e do cabelão que tinha naquele tempo que não volta mais. Na semana passada eu esperava minha vez e perguntei se na garrafa térmica ao lado do filtro havia ainda café.  Como não houvesse, antes de me atender ele perguntou se eu não queria tomar café numa lanchonete ali mesmo na galeria. Olhando os vidros sob o balcão ele apontou para uns potes de sopa ao lado de sanduíches naturais. Disse que sempre levava um pote de canja para tomar quando chegava em casa e que era muito gostosa e custava cinco reais. Só para manter a conversa achei caro, mas ele apontou para outra lanchonete onde o pote custava oito reais. Mas antes de dormir ele comia um pedaço de pão com meio copo de café. Perguntei se o café não tirava o sono mas não era o seu caso. Depois, mais reflexivo, disse que em muitas noites ia ao banheiro e depois não conseguia dormir, que talvez fosse mesmo esse último café do dia. Bem, o Alberto é um bom barbeiro e me adotou como amigo, mas já conheço gente demais com insônia.

                                                                     Igor Zanoni

sábado, 21 de junho de 2014

Groove


mesmo que não ouça
murmuro sempre um groove
ohhhh....ma babeeee....
se você não está bem
quero correr pegar no colo
a qualquer dia, ano, mês, hora
às três da manhã me ligue
você pode contar comigo
( mesmo que seja até quatro
mesmo que seja até cinco
você pode contar comigo)


                                                       Igor Zanoni

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Segurança


1

o maior número de vagas de emprego criadas desde os anos oitenta deve ser aquele ligado a diversas modalidades de vigilância, segurança e repressão. câmeras, policiais de várias espécies, agentes de segurança em shoppings, estacionamentos, residências, prédios, policiamento ostensivo, helicópteros, armas novas e em profusão, e assim por diante, são todos inscritos no nosso cotidiano. tornamo-nos pessoas tão inseguras assim?

2

ao entrar no sebo, o dono indica um armário com chaves nos compartimentos para deixar suas bolsas e sacolas. ao percorrer as prateleiras ele monitora você por uma câmera de segurança. se você compra um cd, nota que ele vem lacrado com um adesivo forte com o nome do sebo, para que não haja engano ao colocar o disco na capa vazia que fica exposta. é difícil saber se ele deseja mesmo clientes que comprem suas mercadorias ou prefere uma tranquila loja vazia.


                                                        Igor Zanoni