terça-feira, 17 de junho de 2014

Newton


a foto do rosto de um amigo nos coloca de forma privilegiada e reflexiva diante de momentos que guardamos como os seus sinais, por exemplo as ocasiões em que aquele pequeno entreabrir da boca surge em uma conversa e o que implica, humor, ênfase, ironia. ainda que na foto ele procure uma expressão adequada e enaltecedora de si mesmo, o si mesmo se compõe para nós em recursos expressivos, talvez para ele ignorados e agora mais claros para nós mesmos. a foto se desarraiga, se transborda, trai ao dizer uma certa verdade, a nossa mais que a do amigo. o mesmo ocorre com as coisas que podemos escolher, nossa classe social, nossa profissão, se a temos, nossa idade se inscrevem nelas. mas também as que, na profusão de necessidades que nosso mundo cria como rendosos cogumelos, e em especial, as que na nossa vida emocional podemos escolher mais livremente, e que, por alguma razão, tiramos do mundo para as recolocarmos nele, com alguma ilusão, como nossas coisas e nosso mundo, e assim dizermos como nós somos. desta forma escolhemos certa camisa, um casaco pesado, um sapato e, já fora do âmbito de uma foto mas ainda, digamos, na sua atmosfera, a música que preferimos, as moças que nos atraem, o pendor para esta ou aquela visão da vida. a foto mostra o que estamos preparados para ver nesse rosto. ela fala antes e de imediato de nós mesmos, desarraigados, traídos. percebemos tudo isto o tempo todo, e sofremos ou somos felizes, buscando nossa saída e nosso mais concernente espaço.


                                               Igor Zanoni  

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