quarta-feira, 4 de junho de 2014

Espaço


o que mais me parece característico na vida é o modo como o seu espaço se oculta enquanto ação. já cedo pela janela do banheiro vejo o céu claro e frio de outono mas não há como assaltá-lo nem o que fazer sob ele. o mundo é feito em algum lugar mas não precisa nem quer de modo algum minha colaboração. também não sei bem o que eu desejaria fazer. retomar a vida como prazer, não como trabalho. muitos buscam a seu modo isso. filósofos e cientistas sociais deixam  para nós um: isto é construído assim e assim, continuem se acharem interessante, nessa direção. mas tudo me parece urgente, hoje temos de fazer muito ao mesmo tempo. conheço muitas dívidas para com o futuro. mas antes de torná-lo já um pequeno espaço, uma comunhão no mínimo simbólica, como a eucaristia ou algo assim, o espaço é tomado pelos ruralistas e as grandes construtoras. ouvi muitas vezes: um outro mundo é possível. tomara que estejam certos. mas esta é uma parte do problema. há também muito que deixar de fazer, que esquecer, tantas obsessões inúteis e perversas. se houver esse espaço- como haverá?- meu coração sairá para o céu claro de outono, meus gestos serão mais precisos, meu corpo mais prazeroso, falarei menos, lerei menos, comerei menos, beberei menos, esquecerei as igrejas e os símbolos, e chegarei primeiro neste outro mundo, antes que seja ou não possível.

                                                    Igor Zanoni

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