O grande escritor Yasunari
Kawabata, com uma obra voltada para o exame e cultivo da tradição cultural
japonesa, quer inclui seu trabalho como ficcionista, disse que mesmo que o
patrimônio religioso budista possa não ser aceito por muitos, é inegável o
grande valor da literatura que originou. O primeiro escritor de prosa no país
foi Mestre Dogen, além de grande poeta. No início do século XlX, Mestre Dogen,
descontente com a situação do budismo japonês,
percebida no país como um darma que vivia um período de degenerescência,
viajou para a China e lá encontrou uma tradição vigorosa no Zen(Chan) chinês,
que reformulou na sua volta criando o Zen japonês na sua vertente Soto, hoje
dominante. A preeminência da meditação sobre o ensinamento, a prática da
atenção plena e a reafirmação do significado permanente do darma elaboradas por
Dogen entre outras contribuições ao budismo podem ser encontradas em mestres
contemporâneos como o vietnamita Tich Nhat Hahn e outros. As escrituras
tradicionais budistas são encontradas em cânones diversos e não se pode ter uma
unanimidade sobre grande parte do que o Buda Sakyamuni disse, mas serviram como
permanente ponto de partida para retomadas sobre a visão fenomenológica do
budismo sobre o sofrimento humano, a ética e a prática da compaixão, a
interdependência entre os seres sencientes animados e inanimados, inclusive na
construção da nossa visão do que acontece, entre outros de seus aspectos
básicos. Graças ao líder espiritual do Tibete, o Dalai Lama, encontramos há
algumas décadas no Ocidente não apenas ensinamentos sobre a felicidade e o
bem-estar (muito popularizados por psiquiatras ocidentais), mas uma profunda
erudição nascida na região desde o século Vl., que pode ser estudada em volumes
como Pacificando o Espírito, Como um Relâmpago Rasgando a Noite, Dzogchen, por
exemplo. Independente da avaliação que se faça da situação política do Tibete é
inegável o valor de sua literatura e de sua cultura tão presentes neste homem
pequeno e frágil fisicamente. Ainda que para o Zen japonês esta literatura não
tenha o papel que possui para o budismo tibetano, este é sem dúvida um guardião
e cultor de uma matriz sem a qual o budismo não pode ser compreendido ou
praticado. No Brasil esta literatura tem sido um ponto de partida para diversas
formas exitosas e cultivadas de um budismo com características de permanência e
recriação, falando-se mesmo de um “budismo brasileiro”, sem esquecer outras
formas sob as quais ele é cultivado no País.
Igor Zanoni