perto de minha casa um
rapaz já não muito jovem instalou uma pequena sapataria. não sei se terá muitos
clientes com os sapatos tão baratos e descartáveis em muitas promoções e pontas
de estoque por todo lado, mas é uma boa notícia saber que existe a habilidade
de consertar sapatos pois as pequenas lojas e minúsculos negócios no bairro
limitam-se a revender mil produtos com
utilidades desnecessárias por preços vis. um homem mais velho instalou uma loja
de bijuterias que são pequenos cacos de metal dourado incapazes de durar um
final de semana. a loja foi instalada na garagem de sua casa ainda não
completamente construída e ele senta-se de shorts em uma cadeira de cozinha olhando o mormaço parado da rua.
todos precisam de um extra e o jeito é quase sempre mais ou menos esse, a não
ser que se tenha mais dinheiro para construir e alugar essas lojas de baixo
custo, altas e envidraçadas que podem ser alugadas para mais uma academia ou
para uma revendedora de carros velhos e financiamentos exorbitantes. a cidade vai se espalhando quase sempre sem
qualquer beleza, sem qualquer permissão para o cultivo de si ou de relações
interessantes, sem alegria ainda que com muito júbilo e louvor para quem é
neopentecostal e tem um mínimo caminho para sua suposta salvação. os muitos
escritores e interpretes de nossa formação social e econômica sempre
enfatizaram o sentido dessa formação, ligado às transformações do mundo
colonial e que tem em âmbito mundial relação com a força do capital imobiliário
e suas conexões com o Estado, o agro e a grande finança . também viram nossa difícil
existência como nação e povo e buscaram futuros alternativos em nexos de
solidariedades relacionados à construção de uma cultura comum. no passado
recente foram um chavão as vitórias políticas graças a avanços contra a pobreza e à inclusão
social, mas a face humana urbana e precarizada não excluiu um urbanoide
estranho a si e a possibilidades mais interessantes de existência, sem paz, sem
ideal, sem quase nenhuma ideia do cosmo do qual ele é um diário e insistente sobrevivente
.
Igor Zanoni
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