a lembrança não é precisa. não me recordo, por
exemplo, do nome daquela rua, nem do que comprava ali e por quê. havia uma
subida, muita gente na calçada e um tráfego grande. havia um certo tumulto
interior meu, ao atravessar da Sears para a Americanas, meu pai ia sempre na
frente, muito rápido, várias vezes me perdi dele e fiquei só, amedrontado. não
tenho a lembrança sequer de uma vez precisa do que acontecia ali, mas a memória
guardou o clima, o ambiente dos passeios que é de fato a paisagem mental que eu
recolhia reiteradamente. a memória é isso muitas vezes, ou talvez sempre, o conjunto
das emoções que nos sonhos e na lembrança se repetem a seu modo. não sei por que
recordo aquela rua, qual sua grande significação para guardar tão bem esses
momentos. talvez o que eu seja e viva hoje pertença em parte a tudo de antigo e
emotivo, assim aparentemente solto mas guardado para reaparecer quando for a
ocasião. minhas lembranças não são tema para nenhuma conversa. são retalhos de
conversas antigas, de muitas impressões velhas, deixando-me como uma pessoa
complexa, mas pouco acessível. o que vivo hoje é só um pico submerso, uma
pequena ilha no tempestuoso mar. ali estão meus naufrágios, minhas impressões de
viagens. sou plural, em parte inutilmente denso e mal posso dizer de mim que
não tenha contrapartida em algo obscuro e remoto, que pertence só a mim e de
mim fez sua fortaleza.
Igor Zanoni
Nenhum comentário:
Postar um comentário