sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Confuso


Com as mulheres em minha vida

Fui sobretudo confuso

O amor é uma relação difícil

Fico pensando que eu sou difícil

Mas em geral eu sou claro e ameno

A todas me vem a vontade

De pedir perdão

De buscar reparação

Mas é melhor deixar como está

Não tenho como reparar

Relações que o mundo cria

Nas quais entro como as faz o mundo

 

                                                                 Igor Zanoni 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Paçoca


Papai fazia uma lata grande

De amendoim torrado com farinha

E açúcar

Essa paçoca era uma de suas formas

De suplementar a alimentação dos filhos

Embora não fossemos ricos

Eu nunca soube o que era fome

Em parte porque papai gostava

De se virar na cozinha

 

                                         Igor Zanoni 

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Nunca mais


Não posso amar você agora

Com todos essa distância

Que hoje nos separa

Mas amo de paixão nossas lembranças

Nossos afazeres comuns

Nossas conversas no meio da noite

Eu nunca tinha encontrado

Quem gostasse das mesmas cachaças que eu

Mas em você encontrei

Penso que um dia há muito tempo

Nós nos dissemos um longo adeus

Um perigoso nunca mais

 

                                              Igor Zanoni 

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Olvido


Ontem um amigo morreu

No início há surpresa dor luto

Depois ele segue o rio do esquecimento

De fragmentos de nossa memória

Até se perder de todo

O lado de lá não conhecemos

Talvez não exista

 O lado de cá é o nosso eu

Breve inquieto

Buscando soluções que não existem

Técnicas de lidar com o que passa

No profundo vasto olvido

Que espera a todos

 

                                                Igor Zanoni 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Pai Nosso


Joachim Jeremias interpreta

A frase do Pai Nosso

“O pão de cada dia nos dá hoje”

Como “Dá-nos hoje o pão que comeremos amanhã

No teu Reino

Mas como o Reino de Deus é paz e ventura

Poderíamos orar

“Dá-nos hoje todo o teu Reino”

Porque é melhor ficar com todo o Reino

Dos Céus

 

                                                 Igor Zanoni 

domingo, 26 de janeiro de 2025

Despedida


Não me recordo mais

Se a última vez em que falei

Com meu avô

Foi em um telefonema

Ou em uma viagem que fiz ao Rio

Ele se sentia muto deprimido

Depois da morte de minha avó

E de minha mãe

Já não era o avô bonachão

Que acompanhou minha infância

E adolescência

Ele era evangélico e esperava

Após sua morte

Um lugar no céu junto a elas

Eu me senti constrangido

Queria abraçá-lo, mas ele já não era

O mesmo homem

Estava vivendo esperando morrer

Eu já não tinha lugar na sua vida

E na minha vida

Ele era mesmo ainda vivo

 Uma enorme saudade

 

                                                                 Igor Zanoni 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Caminhos


Por que há no mundo hoje

Tantos melancólicos

Tantos autistas

Ou pessoas com déficit de atenção?

Essas condições não nascem

Na singularidade de cada um

Antes são sociais

Históricas

Como explicá-las?

E, no entanto, é preciso explicar

Antes de medicar

Ou condenar

Para que quem sofre

Não sofra tanto

Não se perca nos meandros da vida

Porque há outros caminhos

É preciso descobri-los

 

                                                     Igor Zanoni

  

Topete


No trono do reino

Mais poderoso do mundo

Há um topete amarelo

Com ele o rei deseja

Anexar os países e os planetas

Como o chamaríamos?

Ele é um exemplo conspícuo

De darwinismo social

E biopoder

 

                                            Igor Zanoni 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Egoísmo


Eu sou um pouco egoísta

Um pouco autocentrado

Em relação a você

Gosto quando você me beija

Quando está tranquila

Doce como um pêssego

Gosto das suas palavras suaves

Das lembranças de quando

Fomos felizes

Da esperança de que seremos

Totalmente felizes

É claro que tudo isso pouco acontece

Mas teimo em esperar

Eu morreria de desgosto

Se me visse só

 

                                                             Igor Zanoni 

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Apologia da doença


Eles proclamam a ambígua

Palavra liberdade

E logo fazem uma contraditória

Saudação suspeita

Eu me sinto mal

Minha saúde recusa esse adoecimento

Essas pessoas são poderosas

E podem mudar o mundo

Espero que me deixem em paz

Que me esqueçam

Mas acho isso improvável

 

                                                        Igor Zanoni

  

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Vidamorte


Eu ainda me procuro

Eu que me tenho tanto

Me conheço tanto

E tantas vezes me aprisiono

Em uma cela estreita

Meu coração minha mente

Meu corpo que se tensiona

Nestes dias amargos

Que o mundo vive

Seus últimos dias


 

                                        Igor Zanoni 

"Casa de alvenaria Volume 1, Osasco", de Carolina Maria de Jesus


Este volume continua o diário de Carolina Maria de Jesus, quando se mudou em 1960 para Osasco, a fim de morar em um porão cedido por um empresário. Osasco era um subdistrito de São Paulo, com poucos recursos, o que fez com que a autora participasse de um movimento para tornar Osasco um município. Entretanto, ela gostou da nova morada, por possuir luz e água, ser silenciosa e não haver o calão que se ouvia na favela. Carolina ficou bastante conhecida com “Quarto de Despejo”, recebeu muitas homenagens em diversas partes do país, e foi entrevistada ou ganhou muitas reportagens em jornais e revistas, inclusive na Time e na Life americanas. Quem a conduziu por esse novo percurso foi especialmente o jornalista Audálio Dantas. Carolina conheceu personalidades influentes, como Leonel Brizola, Miguel Arraes e outras. Ganhou dinheiro também, pois seu primeiro livro recebeu várias edições. Todavia, ela enfrenta seus problemas cotidianos, como cuidar de filhos adolescentes difíceis e de sua casa. Ela detalha suas ações domésticas com precisão, como ir ao mercado ou fazer o trabalho da casa. Carolina não é uma militante antirracista, é até bastante moderada, mas seu foco principal são as duras condições de vida dos pobres e o alto custo de vida. A fome é ainda seu tema essencial como em Quarto de Despejo, embora ela mesma já não conhecesse a fome. O livro foi publicado em primeira edição em 1961, e ganhou nova edição da Companhia das Letras em 2021.

 

                                                                            Igor Zanoni

 

                           

 

  

sábado, 18 de janeiro de 2025

1972


Enquanto eu vivia

Minha vidinha banal

Começava filosofia na USP

Pegava um cinema

E de vez em quando

Puxava um baseado

Alejandra Pizarnik tomava

Cinquenta comprimidos

De Seconal

Ela era um vulcão

Que consumiu sua breve vida

 

                                                  Igor Zanoni 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

James Webb


Enfim se descobriu o limite

Do universo observável

Mas ignoramos nossos limites

Pessoais

Apelamos para vários remédios

Mas ao mesmo tempo temos medo

Onde estará o nosso fim?

Podemos buscá-lo?

Com que dor e com que custo?

Ignoramos

 

                                                          Igor Zanoni 

"Quarto de despejo", de Carolina Maria de Jesus


O livro foi publicado pela primeira vez em São Paulo em 1960, e reproduz cinco anos de diário de Carolina Maria de Jesus, uma mulher negra e muito pobre nascida em 1914 em Mina e que veio morar na favela do Canindé em 1947, favela que foi nos anos 60 derrubada para a construção da marginal do Tietê. Embora tenha feito apenas os dois primeiros anos do curso primário, Carolina gostava de ler e sua redação era muito boa, descontados alguns erros gramaticais. Em 1955 começa a escrever o seu diário, que retrata o cotidiano da favela e a vida da autora. No diário ela retrata a favela como o quarto de despejo da cidade. Suas inúmeras observações falam de problema que encontra ali, como a disseminação do alcoolismo entre os moradores, o assédio a que são submetidas crianças, brigas na favela, seu desprezo pelos políticos de plantão por não cuidarem do preço dos alimentos e da vida dos mais pobres, entre outros. Carolina tem três filhos, que recebem um parco auxílio de seus pais, e precisa encontrar dinheiro cotidianamente para enfrentar seu maior problema, a fome. Ela trabalha diariamente como catadora de papel, metais e estopa, nem sempre obtendo o necessário para o alimento de cada dia. Muitas vezes pensa em suicídio devido a sua precária condição. Noutras, quando é sábado ou véspera de feriado, se desespera porque deve trabalhar em dobro para o sustento de dois dias. Carolina encontra homens que a amam, e o jornalista Audálio Dantas ajuda a publicar seu diário pela Francisco Alves, depois de uma reportagem de O Cruzeiro sobre a vida na favela e sobre o diário de Carolina. O livro é muito atual, mostrando a fome como o problema número um na vida dos mais pobres. Posteriormente Carolina consegue se mudar para uma casa de alvenaria em Osasco. Falece em 1977 aos 62 anos.

 

                                                                   Igor Zanoni 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Cine Bijou


Em 1972 fui assistir no Cine Bijou

Como era gostoso meu francês

Fui sozinho

São Paulo era uma cidade tranquila

Para quem não estava na luta armada

Derreti-me por Ana Maria Magalhães

Ela era a musa brasileira na época

Foi um dia inesquecível

 

                                                     Igor Zanoni 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Revolução


A revolução nem sempre

Pode se realizar

Onde pode se realiza

Como esperança

Como algo que ainda não veio

Que não virá

Mas esperamos

Lutaremos por ela?

Sim como todas as forças

Depois ficaremos apenas

Com o que é possível

Fazer o que?

 

                                                           Igor Zanoni 

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

"O que ela sussurra", de Noemi Jaffe


“O que ela sussurra” (São Paulo, 2020), de Noemi Jaffe (1962), é um romance recriando os sentimentos e o relacionamento entre Nadejda Mandelstam e seu marido, o poeta e ensaísta Óssip Mandelstam, do importante movimento acmeísta russo. Óssip foi um escritor visado pelo regime stalinista, e nos difíceis anos que se abrem em 1937 é deportado para Kolimá, onde morre de tifo aos 47 anos. A polícia invade o apartamento de Nadejda e apanha um grande volume de poemas de Óssip, mas ficam ainda um volume considerável de textos não descobertos, e que Nadejda teme que sejam apanhados posteriormente. Por isso, para não os perder, passa a decorar e em voz baixa murmurar ou sussurrar esses versos. Anos mais tarde (ela viverá até os 81 anos), ela escreve dois livros falando em especial de Óssip, e pouco dela mesma. Mas muito fica por dizer de si, e o texto de Noemi Jaffe é uma recriação dos sentimentos de Nadejda com uma reinvenção da própria autora. O livro é bastante delicado, precisa ser lido devagar por sua beleza e para que ressalte a relação do casal Óssip-Nadejda. A história de vida do casal fica contada nessas páginas, mas o que ressalta é o amor de Nadejda pelo marido, bem como as difíceis condições de vida na jovem União Soviética.

 

                                                             Igor Zanoni

 

                                                         

Afrodite


Olhei sinto muito

Ela era uma beldade grega

Que capturou como quis

O meu olhar

Não ficaria bem para mim

Se ela notasse

Eu deveria ser mais discreto

E nem sou mesmo de ficar

Olhando com despudor

Mas como eu me defenderia

Dessa Afrodite de pernas grossas?

 

                                                                    Igor Zanoni

 

  

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Austeridade


Os austeros economistas

Ostentam uma grande sabedoria

Com suas políticas mesquinhas

Mas apenas mandam o povão

Às favas

Foi-se o tempo da abundância

E da generosidade

A palavra de ordem hoje

É austeridade!

 

                                                              Igor Zanoni

  

domingo, 12 de janeiro de 2025

Bom tempo


Gosto quando está

Nublado e frio

Eu me recolho em mim

Encontro meu esconderijo

É bom ficar no quarto

Esperando que um dia

Volte o bom tempo

O tempo da esquiva felicidade

Por enquanto prefiro estar sereno

É o que tem para hoje

E está bom

 

                                              Igor Zanoni 

"Baixo Esplendor, de Marçal Aquino


“Baixo Esplendor” (São Paulo, 2021) é o último romance de Marçal Aquino (Amparo, 1958), autor de vários romances, com traduções para diversas línguas, roteiros de cinema e televisão. O romance é um mix de policial e uma estória de amor. Seu personagem central é Miguel, um policial infiltrado em uma grande quadrilha de roubos de carga que atua em vários estados. O chefe da quadrilha é Ingo, com uma irmã, Nádia, que vive um tórrido amor por Miguel. Há diversos personagens na quadrilha, como Moraes, o Véio, que nutre um profundo ódio por Miguel. O romance trata dos vários atos de Miguel para descobrir os roubos da quadrilha até uma grande operação policial deflagrada em vários estados para prender seus integrantes. A operação tem sucesso, mas Ingo não é encontrado e Miguel deixa seu papel fictício despedindo-se de Nádia. Esta, entretanto acaba encontrando-o, e seu velho amor se reacende. Eles passam a viver semiescondidos por vários anos, até um dia em que casualmente Moraes e dois companheiros encontram Miguel saindo de um mercado e trocam com ele tiros, que acabam matando Miguel. O livro contém diversa passagens paralelas da vida de Miguel, é feito de diversas idas e vindas da estória. Esta é bastante vibrante, corre bem, e é com tristeza que vemos o relacionamento de Miguel e Nádia findar de modo trágico.

 

                                                        Igor Zanoni

  

sábado, 11 de janeiro de 2025

Ciganos


Em frente à pré-escola que eu frequentava

No Castelo

Uma família de cigarros armara

Uma grande tenda

Ela vendia no bairro tachos de metal

Não sei se tinha outra ocupação

Eu senti medo e me neguei

A ir à escola

Não sei como isso se resolveu

Embora eu fosse uma criança

Penso que mesmo para adultos

O medo do outro é algo com que se tem

De lidar todo tempo

Difícil alguém bater no peito e dizer

Que não tem sequer um pouco desse medo

 

                                                            Igor Zanoni

  

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

"Uma tristeza infinita", de Antônio Xerxenesky


Ao contrário de outras obras brasileiras contemporâneas, esta não trabalha com temas como o racismo, o feminismo, a questão indígena e outras. Seu tema é a melancolia. Seu personagem principal é um jovem psicanalista que, após a II Guerra, trabalha em uma pequena clínica no interior da Suíça. Ele é judeu, mas sua mãe trocou seu sobrenome para não ser visado pelo nazismo na cidade de Vichy onde morava. Na Suiça, ele atende casos em especial de esquizofrenia, como o de Emil, que julga ver Satã, mas também de depressão, como o de Lee, um americano traumatizado pela guerra contra os japoneses. Ele testa todo o tempo a eficácia da cura pela palavra em uma época em que a indústria de fármacos era incipiente. No início dos anos 50 surge a carbamazepina, para a esquizofrenia, e com ela o médico consegue ajudar Emil, que tem alta da clínica, mas não Lee, pois os antidepressivos ainda não existiam, que se mata em um momento de angústia. O próprio médico vive um quadro depressivo, e testa em si a carbamazepina sem muito sucesso. Ele tem uma esposa que é jornalista em um centro de pesquisas em física, o que dá origem a diversos diálogos sobre a física moderna, religião e a depressão. Quando Lee se mata, em parte por desatenção do médico, este tira férias e vai para Genebra tentar pensar sobre si e como lidar com sua melancolia. Antônio Xerxenesky é gaúcho, nasceu em 1984, e seu livro foi premiado com o Prêmio São Paulo de Literatura.  

 

                                                              Igor zanoni 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Sentido


É bom quando conseguimos

Senão resolver

O que talvez não se possa de todo

Ao menos lidar ou remeter

À nossa experiência vital

Questões árduas

Existenciais ou metafísicas

(o sentido da vida de Frankl

A ilusão de Freud)

Que nos incomodam

E incomodam a outros

De modo que essas questões

Encontram em nós

Um coração acolhedor

E já não precisamos sofrer

Nem disputar com outros

O que em nós se revela

Um acordo conosco

Um ameno e sério acordo

 

                                                      Igor Zanoni 

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Sonho


O sonho é um teatro insensato

Cambiam personagens e cenários

Mas a angústia permanece

Exaustiva e sem porque

 

                                       Igor Zanoni

 

  

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Paz


Segunda-feira insípida

Na sala a poeira deixa meus livros

Encardidos

Esses livros quietos que vão e vem

Faço outro café

Não telefono para ninguém

Minha solidão é absoluta

Mas logo chega gente

E minha paz sem graça

Embora desejada

Vai embora

 

                                                       Igor Zanoni 

"Três camadas de noite", de Vanessa Bárbara


“Três camadas de noite” (São Paulo, Fósforo, 2024) de Vanessa Bárbara trabalha em primeiro lugar com a questão da maternidade. A narradora fala de seu relacionamento com seu filho Heitor desde seu nascimento até os primeiros anos. O menino é uma criança inteligente e ativa, que todo o tempo testa as habilidades do ser mãe. Embora o pai Leandro esteja presente no livro, ele é uma personagem secundária, enquanto a mãe é totalmente absorvida em seu afã precisamente de ser mãe. Ela tem uma depressão pós-parto, o que torna a relação com Heitor mais complexa, e essa depressão dura os anos que o livro cobre, fazendo com que a narradora tenha todo o tempo de reinventar sua vida. A narradora faz um contraponto com histórias de depressão de autores famosos como Sylvia Platt, Clarice Lispector, os irmãos William, Henry e Alice James e Kafka, indicando quanto a depressão pode ser dramática e minar os fundamentos de uma vida mais serena. Ao mesmo tempo, a narradora é escritora de um livro sobre mitologia grega, o que se constitui em um segundo contraponto, quando as estórias e as histórias que ela e o filho vivem se tornam uma complexa trama comum. O livro é bastante interessante por tratar de um tema, a maternidade, pouco explorado, e é muito bem escrito. A autora nasceu em 1982, em São Paulo, é ficcionista e jornalista.

 

                                                                   Igor Zanoni 

domingo, 5 de janeiro de 2025

Insônia


Não gosto de química

Rivotril não me põe para dormir

Quando o sono tarda espio o Instagram

De amigos e desconhecidos

E descubro o quanto a vida

Pode ser divertida e tocante

Ainda que não para mim

 

                                                      Igor Zanoni 

sábado, 4 de janeiro de 2025

O necessário perdão


Uma pá de vezes eu pisei na bola

Fui um bobo

Não estive à altura

Mas ainda tenho quem gosta de mim

E me chama de querido

Acho que sem merecer

De muita coisa fui perdoado

 

                                                      Igor Zanoni 

"Marrom e Amarelo", de Paulo Scott


“Marrom e Amarelo” (Rio de Janeiro, Alfaguara,2019) é um romance que trabalha a questão racial e o racismo no Brasil, centrando-se basicamente na cidade de Porto Alegre. Seus dois personagens centrais são os irmãos Federico, de pele parda clara (daí “amarelo”) e Lourenço, retinto (daí “marrom”). Seu pai é um ex-policial também retinto. Lourenço tem uma filha que também é importante na trama, Roberta. A família tem origem no Partenon, um bairro habitado predominantemente por negros e que era pobre, e agora é um bairro de classe média. Enquanto Lourenço convive mais ou menos pacificamente com o preconceito que sofrem, Federico é militante em uma ONG e odeia esse preconceito, no que é seguido por Roberta, que na trama é presa por seu ativismo. O livro se abre com Federico participando em Brasília no início do governo Temer em 2016 de uma comissão que pretende criar um software para lidar com as cotas raciais de entrada na universidade pública. Ele teme que a comissão seja um passo para extinguir as cotas. Logo que Roberta é presa Federico volta para a capital gaúcha para ajudar o irmão e abandona a comissão. O livro passa a narrar a vida dessa família, seus amigos e desafetos e amores de Federico, sempre tendo como pano de fundo o racismo, e termina com os irmãos e Roberta se engajando em uma luta para livrar a moça da perseguição de um delegado branco e conservador. Paulo Scott tem vários romances, livros de poemas e de contos, é bastante elogiado e premiado. Ele nasceu em Porto Alegre em 1966.

 

                                                            Igor Zanoni     

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Perdido


No tumulto da aula de literatura

Terceiro ano do colegial no Instituto Carlos Gomes

Antiga Escola Normal

Eu circulava pela classe mexendo

Com meus amigos

Via que ela me olhava e sorria

Ruiva com sardas bonita

Eu nunca correspondi ao seu sorriso

Fiquei estupidamente na minha

Penso que eu era tímido

Não

Eu era completamente perdido

 

                                                                      Igor Zanoni 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Antúrios


No fim do ano florescem os antúrios

Com suas flores rubras e antigas

Lembram as casas de minha infância

Suas varandas onde se penduravam também

Begônias orquídeas avencas e samambaias

Plantas primitivas lembrando matas

Um verde silencioso sombreando

A sesta da tarde

 

                                                                    Igor Zanoni

 

  

Palavras inexatas


As palavras podem ser inexatas

Como pode por exemplo tempestade

Dar conta do furor da tempestade

Da apreensão que ela nos causa

E que confrange o coração?

Como pode do alto de uma montanha

Uma palavra descrever o que vemos abaixo

O vale cheio de rochas e vegetação?

Chamamos ao vale precipício?

Chamamos apenas vale?

As palavras não dão conta do que sentimos

Elas apenas cercam a nossa alma

Dizem pobremente o que vivemos

Por isso é necessária a poesia

Para testar os limites das palavras

Dizer as coisas de outras formas

Torcer recriar reinventar

As palavras e o mundo

 

                                                                     Igor Zanoni 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Costura


Onde há grandes precipícios

É preciso construir grandes pontes

Onde há de cima a baixo uma cisão

É preciso muitas costuras

Mas não é seguro de que elas

Serão suficientes

 

                                             Igor Zanoni