sábado, 11 de janeiro de 2025

Ciganos


Em frente à pré-escola que eu frequentava

No Castelo

Uma família de cigarros armara

Uma grande tenda

Ela vendia no bairro tachos de metal

Não sei se tinha outra ocupação

Eu senti medo e me neguei

A ir à escola

Não sei como isso se resolveu

Embora eu fosse uma criança

Penso que mesmo para adultos

O medo do outro é algo com que se tem

De lidar todo tempo

Difícil alguém bater no peito e dizer

Que não tem sequer um pouco desse medo

 

                                                            Igor Zanoni

  

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

"Uma tristeza infinita", de Antônio Xerxenesky


Ao contrário de outras obras brasileiras contemporâneas, esta não trabalha com temas como o racismo, o feminismo, a questão indígena e outras. Seu tema é a melancolia. Seu personagem principal é um jovem psicanalista que, após a II Guerra, trabalha em uma pequena clínica no interior da Suíça. Ele é judeu, mas sua mãe trocou seu sobrenome para não ser visado pelo nazismo na cidade de Vichy onde morava. Na Suiça, ele atende casos em especial de esquizofrenia, como o de Emil, que julga ver Satã, mas também de depressão, como o de Lee, um americano traumatizado pela guerra contra os japoneses. Ele testa todo o tempo a eficácia da cura pela palavra em uma época em que a indústria de fármacos era incipiente. No início dos anos 50 surge a carbamazepina, para a esquizofrenia, e com ela o médico consegue ajudar Emil, que tem alta da clínica, mas não Lee, pois os antidepressivos ainda não existiam, que se mata em um momento de angústia. O próprio médico vive um quadro depressivo, e testa em si a carbamazepina sem muito sucesso. Ele tem uma esposa que é jornalista em um centro de pesquisas em física, o que dá origem a diversos diálogos sobre a física moderna, religião e a depressão. Quando Lee se mata, em parte por desatenção do médico, este tira férias e vai para Genebra tentar pensar sobre si e como lidar com sua melancolia. Antônio Xerxenesky é gaúcho, nasceu em 1984, e seu livro foi premiado com o Prêmio São Paulo de Literatura.  

 

                                                              Igor zanoni 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Sentido


É bom quando conseguimos

Senão resolver

O que talvez não se possa de todo

Ao menos lidar ou remeter

À nossa experiência vital

Questões árduas

Existenciais ou metafísicas

(o sentido da vida de Frankl

A ilusão de Freud)

Que nos incomodam

E incomodam a outros

De modo que essas questões

Encontram em nós

Um coração acolhedor

E já não precisamos sofrer

Nem disputar com outros

O que em nós se revela

Um acordo conosco

Um ameno e sério acordo

 

                                                      Igor Zanoni 

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Sonho


O sonho é um teatro insensato

Cambiam personagens e cenários

Mas a angústia permanece

Exaustiva e sem porque

 

                                       Igor Zanoni

 

  

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Paz


Segunda-feira insípida

Na sala a poeira deixa meus livros

Encardidos

Esses livros quietos que vão e vem

Faço outro café

Não telefono para ninguém

Minha solidão é absoluta

Mas logo chega gente

E minha paz sem graça

Embora desejada

Vai embora

 

                                                       Igor Zanoni 

"Três camadas de noite", de Vanessa Bárbara


“Três camadas de noite” (São Paulo, Fósforo, 2024) de Vanessa Bárbara trabalha em primeiro lugar com a questão da maternidade. A narradora fala de seu relacionamento com seu filho Heitor desde seu nascimento até os primeiros anos. O menino é uma criança inteligente e ativa, que todo o tempo testa as habilidades do ser mãe. Embora o pai Leandro esteja presente no livro, ele é uma personagem secundária, enquanto a mãe é totalmente absorvida em seu afã precisamente de ser mãe. Ela tem uma depressão pós-parto, o que torna a relação com Heitor mais complexa, e essa depressão dura os anos que o livro cobre, fazendo com que a narradora tenha todo o tempo de reinventar sua vida. A narradora faz um contraponto com histórias de depressão de autores famosos como Sylvia Platt, Clarice Lispector, os irmãos William, Henry e Alice James e Kafka, indicando quanto a depressão pode ser dramática e minar os fundamentos de uma vida mais serena. Ao mesmo tempo, a narradora é escritora de um livro sobre mitologia grega, o que se constitui em um segundo contraponto, quando as estórias e as histórias que ela e o filho vivem se tornam uma complexa trama comum. O livro é bastante interessante por tratar de um tema, a maternidade, pouco explorado, e é muito bem escrito. A autora nasceu em 1982, em São Paulo, é ficcionista e jornalista.

 

                                                                   Igor Zanoni 

domingo, 5 de janeiro de 2025

Insônia


Não gosto de química

Rivotril não me põe para dormir

Quando o sono tarda espio o Instagram

De amigos e desconhecidos

E descubro o quanto a vida

Pode ser divertida e tocante

Ainda que não para mim

 

                                                      Igor Zanoni 

sábado, 4 de janeiro de 2025

O necessário perdão


Uma pá de vezes eu pisei na bola

Fui um bobo

Não estive à altura

Mas ainda tenho quem gosta de mim

E me chama de querido

Acho que sem merecer

De muita coisa fui perdoado

 

                                                      Igor Zanoni 

"Marrom e Amarelo", de Paulo Scott


“Marrom e Amarelo” (Rio de Janeiro, Alfaguara,2019) é um romance que trabalha a questão racial e o racismo no Brasil, centrando-se basicamente na cidade de Porto Alegre. Seus dois personagens centrais são os irmãos Federico, de pele parda clara (daí “amarelo”) e Lourenço, retinto (daí “marrom”). Seu pai é um ex-policial também retinto. Lourenço tem uma filha que também é importante na trama, Roberta. A família tem origem no Partenon, um bairro habitado predominantemente por negros e que era pobre, e agora é um bairro de classe média. Enquanto Lourenço convive mais ou menos pacificamente com o preconceito que sofrem, Federico é militante em uma ONG e odeia esse preconceito, no que é seguido por Roberta, que na trama é presa por seu ativismo. O livro se abre com Federico participando em Brasília no início do governo Temer em 2016 de uma comissão que pretende criar um software para lidar com as cotas raciais de entrada na universidade pública. Ele teme que a comissão seja um passo para extinguir as cotas. Logo que Roberta é presa Federico volta para a capital gaúcha para ajudar o irmão e abandona a comissão. O livro passa a narrar a vida dessa família, seus amigos e desafetos e amores de Federico, sempre tendo como pano de fundo o racismo, e termina com os irmãos e Roberta se engajando em uma luta para livrar a moça da perseguição de um delegado branco e conservador. Paulo Scott tem vários romances, livros de poemas e de contos, é bastante elogiado e premiado. Ele nasceu em Porto Alegre em 1966.

 

                                                            Igor Zanoni     

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Perdido


No tumulto da aula de literatura

Terceiro ano do colegial no Instituto Carlos Gomes

Antiga Escola Normal

Eu circulava pela classe mexendo

Com meus amigos

Via que ela me olhava e sorria

Ruiva com sardas bonita

Eu nunca correspondi ao seu sorriso

Fiquei estupidamente na minha

Penso que eu era tímido

Não

Eu era completamente perdido

 

                                                                      Igor Zanoni 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Antúrios


No fim do ano florescem os antúrios

Com suas flores rubras e antigas

Lembram as casas de minha infância

Suas varandas onde se penduravam também

Begônias orquídeas avencas e samambaias

Plantas primitivas lembrando matas

Um verde silencioso sombreando

A sesta da tarde

 

                                                                    Igor Zanoni

 

  

Palavras inexatas


As palavras podem ser inexatas

Como pode por exemplo tempestade

Dar conta do furor da tempestade

Da apreensão que ela nos causa

E que confrange o coração?

Como pode do alto de uma montanha

Uma palavra descrever o que vemos abaixo

O vale cheio de rochas e vegetação?

Chamamos ao vale precipício?

Chamamos apenas vale?

As palavras não dão conta do que sentimos

Elas apenas cercam a nossa alma

Dizem pobremente o que vivemos

Por isso é necessária a poesia

Para testar os limites das palavras

Dizer as coisas de outras formas

Torcer recriar reinventar

As palavras e o mundo

 

                                                                     Igor Zanoni 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Costura


Onde há grandes precipícios

É preciso construir grandes pontes

Onde há de cima a baixo uma cisão

É preciso muitas costuras

Mas não é seguro de que elas

Serão suficientes

 

                                             Igor Zanoni