sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Saudades


Eu cultivo saudades

Trago ramalhetes de flores murchas

Um dia as entregarei

Quando outra vez encontrar

Essas pessoas que me deixaram

Eu que sou tão só

Relembro lembranças antigas

O tempo me fez sonhar

Sonhos nos quais me revolvo

Por que me fiz tão afeito

A esta melancolia?

 

                                                                Igor Zanoni 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

A sociedade boa


Muitos procuraram pensar e trabalhar

Por uma sociedade boa

Voltada para as pessoas comuns

As pessoas simples e os pobres de Deus

Ainda hoje há muitos assim

Mas a insensatez do mundo os tem vencido

Embora aqui e ali sob forte pressão

Os projetos de um outro mundo possível

Venham ensinando aos que tem juízo

A alegria e a paz a vida para qualquer um

Nisto há sonho e seriedade

Vontade de sociedades que amadurecem

Sob laços de igualdade e boa fé

Essa vontade precisa ser nossa de todos

Para que a miséria comum sob a qual vivemos

Possa um dia ser vencida

 

                                                                      Igor Zanoni 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Névoas


Sonhei outra vez

E já não sei se sou eu

Que te prendo

Ou se você me prende

Se há algo que pode ser

Chamado real

Ou se tudo são essas

Metamorfoses oníricas

Sei que sonho

E que essa é uma forma

De te esperar

Ou tudo são apenas névoas

Que se dissipam na manhã?

 

                                             Igor Zanoni

  

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Sessão de cinema


Elizabeth Taylor coloca outro uísque

Em seu copo

Depois acende um cigarro

Ela está muito tensa

Todos no apartamento estão

Mas ela é boa atriz e muito bonita

Compensa a tensão que se sente

Vendo seus dramas

Mamãe se ajeita na poltrona

Não sei em que ela pensa

Qual a ligação entre ela e a estrela

Na tela do cinema no Bonfim

Já não me lembro se era o Rex ou o Real

Meu pai não nos acompanha

Por quê? Que descompasso entre meu pai

E minha mãe!

Não posso nem poderia

Compreender o que acontece

 

                                                               Igor Zanoni 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Criança


Quando nasce uma criança

A família toda fica encantada

Há pouco ganhei um neto

Forte e de cabelos vermelhos

Sua casa se tornou um ponto

De peregrinação

Todos queriam ver várias vezes

Seus primeiros sorrisos

Seu sono de anjo

Todos ficamos pacíficos e tolos

Com esse presente do céu

 

                                                         Igor Zanoni 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Perfil

Perfil

 

Não sei como você entrou no meu

Facebook

Eu não a convidei nem conheço você

Mas gostei do seu perfil

Você é interessante e parece inteligente

Só espero que essa invasão cesse

Meu Facebook não chega a ser

Uma casa da mãe joana

 

                                                       Igor Zanoni 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Testemunhas de Jeová


Em frente ao posto de saúde

Algumas testemunhas de Jeová

Oferecem revistas coloridas

Pregando a vida e a felicidade eternas

Se você apanha uma revista

Logo uma moça pergunta

Se você quer conhecer melhor

A Bíblia

Neste caso virá um missionário

À sua casa

Ensinar e orar com as famílias

Tudo gratuito

Melhor: Deus sabe quanto isso custa!

 

                                                           Igor Zanoni 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Brasil colônia


Neste país de matriz colonial

Tivemos (temos ainda)

Poesia romance teatro

Cinema críticos

Além de bons economistas

Sociólogos historiadores físicos

Entre outros

Neste país complexo

Que teve apenas duas ou três

Chances de redenção

A ciência e a arte procuram

Salvar o que podem

Elas são generosas

E repõem com esperança

Um futuro

Para que não nos desesperemos

Bendito fruto do ventre brasileiro

Aqui estamos mas não sabemos bem

Em que trajetória

 

                                                                 Igor Zanoni 

"O rumor do tempo/Viagem à Armênia", de Óssip Mandelstam

Este volume reúne dois textos de Óssip Mandelstam, o primeiro publicado em 1925 e o segundo em 1933. A publicação brasileira é da editora 34, ano 2000. Mandelstam foi poeta, mas esses dois textos estão escritos como prosa, ainda que uma prosa eivada de evocações poéticas, um memorial do panorama cultural da Rússia de sua juventude e adolescência. O livro recebe pouca atenção, e é republicado em 1928, sob crítica difamatória na imprensa oficial soviética. Em 1930 o poeta recebe de Bukhárin o encargo de partir para a Armênia em caráter oficial, a fim de que escrevesse um relatório sobre a jovem república irmã que vinha recebendo muita atenção das autoridades soviéticas. O relato resultante é bastante livre e poético, e como tal é atacado pelos meios oficiais. Ainda em 1933 Mandelstam escreve um poema satírico sobre Stálin, motivo pelo qual é preso e banido de Petersburgo. Pouco mais tarde, em 1938, o poeta é preso novamente no Grande Expurgo e condenado a cinco anos de trabalhos forçados, mas a caminho de um campo de prisioneiros na Sibéria morre de um ataque cardíaco. A poesia de Mandelstam se liga ao movimento acmeísta que sucede ao simbolismo, é bastante rica em alusões e marcada pela oralidade russa, auscultando a vida, a literatura e a história de seu país. Não são livros fáceis para um leigo em literatura russa.

 

                                                           Igor Zanoni 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Nossa única esperança


Ao contrário das previsões

De alguns profetas

O capital venceu com seu cortejo

De horrores

Prisões deportações ópio violência

Homeless desigualdade miséria

Enchem nossos dias

Os dias do mundo

Nossa única esperança

Veste um casaco chinês

 

                                                       Igor Zanoni 

domingo, 16 de fevereiro de 2025

Proximidade


O que eu posso dizer a você

Eu que vivi tanto tempo ao seu lado

Que reparti com você minha angústia

E passei tanto tempo olhando seu rosto

O cabelo que pintaste de louro

E dividi as dificuldades com os filhos

Com seu casamento

Fomos tão próximos

Poucos amigos são assim tão próximos

E agora só espero por meu luto

Ele já está quase aqui

E não espero nenhuma redenção

Apenas me calo porque agora

Todas as palavras nascerão

Inúteis e velhas

 

                                                   Igor Zanoni

  

Sono


Quando o sono tarda

Melhor não se irritar

É sempre assim

Noites de paz e noites cansativas

Melhor esperar com a calma possível

Em certo momento

Sem perceber

Escorrega-se no sono

E o dia seguinte logo vem

Com o sol e o cheiro de café

Na cozinha

 

                                                  Igor Zanoni 

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Viver da fé


Se Deus existe

A ciência não pode encontrá-lo

Se Ele não existe

Então nada tem sentido

Não sei como se pode

Viver sem Deus

Acho mesmo que não se pode

Por isso existe a fé

Que é a certeza das coisas

Que não se podem encontrar

 

                                          Igor Zanoni

  

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Taxista


O taxista não escuta bem

O que é um problema

Seu rosto é sério

Pensando em como levar a vida

Já me contou sobre sua mulher

Que trabalha longe em um pet shop

Dando banho em cachorros

Senta-se no ponto e espera um freguês

Por muito tempo

Ele não tem nenhum interesse

Eu não poderia ter a menor simpatia

Por essa pessoa sem graça

 

                                                                          Igor Zanoni 

"F", de Antônio Xerxenesky


“F” (Rocco, 2014) é o segundo romance do porto-alegrense Antônio Xerxenesky, nascido em 1984. É com um F que começam palavras como Fake ou Ficção, “F de Fake” é o nome do último filme de Orson Welles. Este é figura central do romance. Uma moça de 25 anos, vinda dos anos de ditadura e repressão no Brasil, ao lado de uma paixão por música pop e por cinema, recebe e aceita um convite para matar Orson Welles. A partir daí ela busca o cineasta em Los Angeles e em Paris, entra em contato com ele e elabora um plano que falha de assassinato. Mais tarde recebe a notícia de que o cineasta morre de um ataque cardíaco, e mais tarde ainda recebe a visita do próprio Welles, que ainda estava vivo. O livro é recheado de referências à vida e aos filmes de Orson Welles, cuidadosamente pesquisadas, e de referências à música dos anos 80, falando de bandas como o Joy Division, New Order e Human League. Na verdade, o livro é uma ficção, mas tem escoras reais na vida de Welles e na cultura pop, é uma ficção, mas ancorada em pesquisas sólidas. Não fica claro porque a narradora do livro se torna uma assassina de aluguel, mas seu plano falha, e ela se volta para uma vida de insônia e melancolia, até encontrar Welles de novo como parte do próprio grupo que convidou-a para mata-lo. Um livro instigante, especialmente para quem gosta de cinema.

 

                                                              Igor Zanoni   

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Previsão do tempo


Viver pode ser monótono

E cansativo

Podemos ser pobres

E sofrer o pior

Mas também pode ser maravilhoso

Estar cercado de filhos

E amigos

Tudo pode acontecer

Podemos trabalhar muito

Em vão

Ou podemos ser um sucesso

De vendas

Não importa

Seja como for mais cedo

Ou mais tarde

Virá o nosso fim

Estaremos em um lugar

Do qual nada saberemos

Que nem será mesmo um lugar

E a vida antiga será uma memória

Para outros

Adeus adeus nos dirão

Mas nós não ouviremos nada

 

                                                          Igor Zanoni 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Uma amizade cálida


Nossa amizade foi

(escolhendo uma palavra)

Cálida

Mas também difícil

Ele era meu professor na universidade

E eu um rapaz sem ter onde me apoiar

Eu precisava de coisas

Inclusive de dinheiro

E ele tinha por mim certo carinho

Passamos assim um bom tempo

Aos poucos fui descobrindo nele

Muitos defeitos

(se posso assim dizer)

Era impulsivo bebia muito

Namorava muitas mulheres

Isso não me afastou

Mas eu tinha antes de cuidar

Da minha vida

Não combinávamos

Embora muitas vezes conversássemos

Com empatia e carinho

Depois mais tarde ele sumiu

Procurando por ele na internet

Soube que havia morrido

O que não me comoveu

 

                                                                              Igor Zanoni 

Tipo ideal


Como tipo ideal

Uma mulher é graciosa

Flexível interessante

Cuida melhor dos filhos

Leva adiante a vida

Com mais inteligência

E força

Eu admiro as mulheres

Elas salvam a monotonia

Da vida dos homens

 

                                                                            Igor Zanoni 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Nescau


Acho que eu e meu irmão Alex fomos da última geração que apanhou de chicote nas pernas. Meu pai era muito bravo, quando aprontávamos ele perguntava se queríamos Nescau, que era o nome que ele deu ao chicote. Meus irmãos menores não sofreram isso. Mas chegou um dia em que Alex pegou o chicote e enterrou no quintal da casa, com uma cruz de madeira sobre a sepultura. Meu pai nunca mais ousou bater em nós.

 

                                                                 Igor Zanoni 

"Areia nos Dentes", de Antônio Xerxenesky


O autor é porto-alegrense, ainda jovem (nasceu em 1984) e “Areia nos Dentes” (Rocco, 2010) foi seu primeiro romance. Xerxenesky é considerado um dos melhores autores de sua geração, fazendo uma literatura que poderia ser considerada pós-moderna. Neste livro ele conta a estória de Juan, de ascendência mexicana, que escreve um romance em parte evocativo de suas origens e em parte ficcional. Nessa história, passada no sul dos Estados Unidos, em pleno período do far-west, se opõem as famílias Ramirez, de raiz mexicana e Marlowe, de raiz no norte do país. Um rapaz da família Ramirez é assassinado, mas não se sabe quem o matou. Isto é suficiente para criar uma grande tensão entre os dois grupos e para trazer à cidade em que vivem, Mavrak, um xerife, Thornton, que busca impor a lei e a ordem no local. Outros personagens importantes são Maria, que é mulher do dono do saloon em cujo andar superior movimenta um bordel. E Vienna, namorada de Juan, o filho mais novo do chefe dos Ramirez, Miguel. O livro transcorre sem maiores sobressaltos até que os mortos do local começam a reviver como zumbis, provocando uma guerra entre mortos e vivos. Há um tiroteio entre os dois grupos com os vivos tentando paralisar os zumbis, até que Juan atira na própria Vienna para não atirar em seu pai Miguel que é também agora um zumbi. O livro termina com Thornton saindo em um cavalo de Mavrak, levando na garupa Maria e um neto de Miguel. O livro é assim um pouco desconcertante, mas nenhuma estória em que entrem zumbis é chata ou monótona.

 

                                                 Igor Zanoni 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Jesus


Quem adere a uma igreja neopentecostal

Instaura uma crise nas suas relações

Adeus festas adeus cervejinhas e baseados

Adeus antigos amigos

Agora é trabalhar passear com a patroa

Cuidar dos filhos para que não se percam

Ele entrega seu coração a Jesus

Quem ama Jesus levanta a mão!

 

                                              Igor Zanoni 

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Chuva


Quando eu era menino, papai sempre me deu uma pequena mesada. Nós morávamos em São Luís de Cáceres, cidade pequenina com duas ou três ruas asfaltadas, onde meu pai servia o Exército. Com meu dinheiro eu comprava doces, no recreio da escola, e um refrigerante estranho, sem gás, que um frei franciscano, de longa barba e batina cinza, meio perdido entre os muitos freis jesuítas holandeses, barbeados e de cabelo rente, com longas túnicas brancas impolutas, fazia não sei a partir de quê. Além disso, eu ia à Coletoria Federal, onde se vendiam selos para documentos, comprar livros de aventuras que aumentavam a renda da repartição. Comprei ao longo dos anos que vivemos lá muitos livros, a Coleção Os Audazes da Editora Vecchi quase inteira. Eu guardava os livros em um grande baú de papelão grosso, mas infelizmente em um dia de muita chuva o telhado cedeu e perdi meu baú e meus livros. Sobraram uns dois, A Guerra dos Cem Anos e Robin Hood, que ainda tenho nas minhas curitibanas estantes. Foi uma pena, fiquei arrasado.

 

                                                                      Igor Zanoni 

Pessoas


Lembro um nome: Rute

Seu rosto pouco claro

Sua figura

Tenho dezenas de pessoas

Obscuras

Que não saberia reencontrar

Ainda mais com a passagem do tempo

Minha memória não poderia

Dar conta de todas

Ficam assim no meu passado

Mas onde?

Não sei

A vida é mais longa

Do que podemos dar conta

 

                                                      Igor Zanoni 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Conto de amor


Bunichinho e Piculinha

Se amavam com ternura

Gostavam de uma cerveja

Também dos filhos e mais tarde

Dos netos que tiveram

Eram pobres e moravam

Em uma casinha de fundos

Num subúrbio carioca

Bunichinho foi campeão brasileiro

De bilhar francês

Se apresentava com gala

Em clubes da burguesia

Mais tarde tudo isso mudou

Quando entregaram o coração

Em uma Igreja Episcopal

Acabou-se a cervejinha

Acabou-se o bilhar

Mas ficou a ternura

Por todos que os cercavam

Fui seu primeiro neto

E os amava de paixão

Bunichinho e Piculinha

Que exagero ser tão cristão!

 

                                             Igor Zanoni 

Avós


A casa é sempre conflitiva

Não conheci nenhuma

Em que houvesse completa paz

Felizmente há as visitas dos avós

O avô bonachão

Com suas brincadeiras

A avó que sempre faz alguma coisa

Diferente na cozinha

Essas visitas abrem uma trégua

Relaxam o poder dos pais

Na vida de um menino

Os avós sempre são essenciais

 

                                                 Igor Zanoni 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Pássaros


Quando os gritos dos quero-queros

Ressoam no ar

Percebemos a imensa abóbada

Que nos envolve

Seu som é límpido

Longe dos motores de autos

Muito além do murmurinho

Do bairro

Os pássaros vivem sua vida particular

Não se importam conosco

Exceto se nos aproximamos deles

Então voam e gritam

Muito alto

Além do silêncio ao redor

Da cúpula de luz e vazio

Que nos envolve


                                                                Igor Zanoni

 

  

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Pai


Kafka e Graciliano escreveram

Sobre seus pais

Eu tenho dificuldade em escrever

Sobre o meu

Ele já morreu há bom tempo

Que siga sua jornada

Pelo vasto hades

 

                                                          Igor Zanoni 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Reencontro


Ontem depois de muito tempo

Nos encontramos de novo

Falamos do passado e do presente

Rimos tomamos café com bolo

A saudade é um bom condimento

Para reencontros

Eu me senti feliz

Mais do que costumo ser

Eu estava tão alegre

Que isso ajudou nossa renovada

Amizade

Embora eu tenha me excitado demais

E depois me cansado

Custei a pegar no sono mais tarde

 

                                                 Igor Zanoni 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Curiosidades


1

Hoje assisti de novo “O pagador de promessas”. As cenas em que a multidão corre para todo lado na praça e na escadaria frente a Igreja de Santa Bárbara faz recordar Eisenstein, mas o filme, brasileiro e nordestino, de Anselmo Duarte, ganha todo o sabor de Dias Gomes, seu roteirista, quando Leonardo Vilar é colocado na cruz e levado igreja adentro sobre os ombros da população.

 

2

“A página assombrada por fantasmas” (2011), do ainda jovem Antônio Xerxenesky (1984) é uma coleção de contos curtos lembrando autores de literatura e gêneros os mais diversos. O livro é pequeno, mas o autor se assume nele como um contador de histórias. Difícil fazer uma resenha do livro. Melhor lê-lo.

 

3

O camelo bebe água doce mas pode beber também água salgada, inclusive a água salobra do rio Jordão.

 

                                                         Igor Zanoni 

domingo, 2 de fevereiro de 2025

Carolina maria de Jesus, Casa de Alvenaria, volume dois, Santana.


Este é o segundo volume de “Casa de Alvenaria”, publicado em 2021 pela Companhia das Letras. Reúne diários escritos entre dezembro de 1960 e dezembro de 1963. A casa foi comprada em 1960 no bairro de Santana por intermédio de Audálio Dantas.  Na verdade, a casa já estava alugada e passou um bom tempo para a autora poder apropriar-se completamente dela. Além disso a casa tinha pulgas e baratas e isto demandou um grande trabalho de Carolina. Ela reclama muito da casa. Com o dinheiro, pouco, que lhe vem de direitos autorais de “Quarto de Despejo”, Carolina passa a ser vista como rica pelos vizinhos e conhecidos, e muitos lhe pedem incessantemente dinheiro emprestado. Em compensação, o livro tem grande tiragem em 1960, sendo traduzido para vários idiomas e publicado em mais de 40 países. A autora faz um grande tour de divulgação do livro, visitando o interior de São Paulo, Porto Alegre, Recife, Argentina, Uruguai e Chile. Ela também lança pela Fermata um disco com suas composições musicais e é sempre convidada a declamar seus poemas. Também conhece pessoas ilustres, como Brizola, Adhemar de Barros e Jânio Quadros. Seu político favorito será sempre Adhemar. Ela permanece focada no problema do custo de vida e da fome do pobre no Brasil. Os funcionários públicos com parcos reajustes e a inflação crescente a indispõem com Juscelino, Jânio e João Goulart. Ela pensa que os trabalhadores rurais são espoliados pelos proprietários e vêm tentar a vida em São Paulo, mas ali encontra um custo de vida alto que os obriga muitas vezes a viverem sem emprego e na favela. Em 1963 Carolina compra um sítio em Parelheiros, para poder plantar e fugir da alta dos preços dos alimentos. Encontra-se com poucos recursos e revive uma vida quase tão pobre quanto sua vida anterior à casa de alvenaria.

 

                                                                    Igor Zanoni 

Dor


Não é uma grande catástrofe

Todas as casas escondem uma

Mas para quem as vive

É um doloroso padecimento

Para quem está em volta

Trata-se uma dor irreparável

Mas é necessário tomar providências

Agir com sabedoria e muito trabalho

A casa não se fecha sobre si

Sempre é possível sair ao jardim

E respirar o ar das plantas

E da chuva

Enquanto não se diz adeus

 

                                                                Igor Zanoni 

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Visita


1

As ruas deviam ter placas de cobre

E nas esquinas figuras de anjos

Elas têm sempre nomes de pessoas falecidas

Com esses adornos lembrariam melhor

A cidade como um grande cemitério

 

2

Visitar pessoas frágeis e debilitadas

É difícil para quem é saudável

A conversa se torna cálida, mas entristecida

Gostaríamos de poder fazer o que não podemos

 

                                                           Igor Zanoni