quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Pânico


Pânico

No meu episódio mais intenso e duradouro de pânico, dois amigos me puseram em um carro e me levaram a consultas com um psiquiatra, que me receitou umas boletas caras e inúteis, e a um psicanalista, com o qual me mantive reservado por muitas semanas. Um dos meus amigos sempre me levava ás consultas, mas depois de um tempo tive de ir só. Foi horrível porque eu ainda não andava de ônibus, o táxi ficava caro e na rua eu me sentia morrer. Essa sensação só passava quando eu chegava ao ponto de táxi. Quando tinha de esperar por um, pode crer que era uma longa espera para mim. Passei a tentar ganhar ânimo para ir ás consultas ligando meia hora antes para o psi: “Não sei se hoje vou conseguir ir ”-“Você sabe que é importante vir”-” Mas você quer que eu vá? ”-” Acho que é importante para você”. E lá ia eu com o coração aos saltos. Hoje não sinto mais essas dificuldades, mas se mantiveram vivas por muitos anos. As pessoas tentavam me encorajar, como se pânico fosse um reles medo. Mas é antes um pavoroso pavor. Há psiquiatras que acreditam que para pânico só há um remédio: 150mg diárias de Anafranil. Pode ser associado a um tranquilizante. A análise dá resultados mais interessantes, porque você deixa de ser assaltado por algo que parece externo e começa a falar sobre suas emoções, a trocar experiências com o psi. Hoje não tenho mais feito análise, mas sei me entender bem melhor. Não um entendimento meramente intelectual, mas anímico. O problema é que isso fica clarto depois de passar por todo o processo, o que muitos não conseguem. Soube de um recluso que tratava os dentes em casa com uma lima. Mas não posso assegurar meu futuro, sempre no fundo me sinto como aquele homem que vem e vai.


                                                          Igor Zanoni


terça-feira, 9 de agosto de 2011

A "Nova Classe Média"


A “Nova Classe Média”


A propaganda que o governo faz, à falta de melhores notícias, sobre a consolidação de uma “nova classe média” no Brasil causa espanto a uma pessoa um pouco informada. Este termo foi cunhado pelo sociólogo norte-americano Charles Wright Mills para dar conta do crescimento acelerado de uma ampla camada na América do Norte de assalariados de colarinho branco, diversificada e diplomada, bem remunerada, que se constituiu no esteio do crescimento de duráveis e do surgimento de um mercado de massas, esteio ideológico do país contra os apelos igualitaristas do socialismo. No Brasil, porém, esse termo vem ilustrando a difusão de uma massa de empregos entre dois e três salários mínimos, salário mínimo este bastante deteriorado ao longo das décadas, no contexto de um crescimento de profissões mal qualificadas, em grande medida ligadas a setores como comunicações, diga-se call centers. A base do mercado de trabalho no período entre os anos setenta e oitenta era exatamente dois a tres mínimos, com um grau paralelo de informalidade bastante reduzido diante do atual, e pequeno desemprego aberto. È verdade que o emprego vem crescendo e o produto subindo a taxas mais elevadas que nos anos oitenta e noventa, mas isto vem ocorrendo no contexto de uma reprimarização das exportações, enorme endividamento das famílias a juros campões do mundo. Vai assim se conformando um mercado desideologizado de consumo e emprego, sem qualquer laço de solidariedade cultural entre as camadas da população, com trabalhadores sem expectativa de progressão na carreira e na vida. Mesmo o diploma universitário significa pouco neste contexto, pois grande parte das faculdades, em geral privadas, criam cursos para habilitação em grande parte nessas mesmas ocupações mal remuneradas. Cursos para professores mal remunerados ou assistentes de administração em cadeias de lojas igualmente precarizados. Além disso, em termos culturais o resultado é péssimo, pois se generalizam carros ponto 1 com etanol ou gasolina caros, para viajar em estradas violentas ,ou televisores que servem para as grandes redes manter seu histórico domínio sobre informações e como entende-las. O JN é típico de um jornalismo que tenta mostrar aos espectadores como driblar as dificuldades e manter o otimismo nos rudes tempos que vivemos. Tudo isso não é fatalidade econômica. Os jovens que migram para o Canadá, Nova Zelândia ou Austrália não encontram nenhuma dessas pressões, em países muito menos elitizados e heterogêneos que o nosso e que em termos econômicos podem equivaler ao Brasil, com muito menor protagonismo político. Ao mesmo tempo, cresce o número de milionários no País, e a antiga classe média mingua e tem dentro de si pessoas com muitas dificuldades, remediadas e até as que estão bem.  O governo tem pouco o que mostrar, uma farsa sem opções políticas viáveis.


                                                    Igor Zanoni

Consciência


Consciência

eu já quis abrir minha cabeça
como muitos me aventurar
pelo amor e a liberdade
foi bom e doloroso
nunca se sabe onde isso vai parar
eu já quis acessar níveis mais elevados
de consciência
seja lá o que for
hoje propostas assim vem pela internet
com professores formados na India
recomendados por amigos antigos
que não fizeram outra coisa a vida toda
valeu a pena?
sempre vale se a alma não é pequena
o mundo encolheu
coisas sagradas e anciãs perderam seu apelo
instituições pessoas caminhos
hoje estamos mais sós
e parece que o horizonte
está aqui não ali não mais adiante
não tenho saudade de nada
não me orgulho do que vivi
vivi como pude
como um lutador de boxe
tenho uma amiga que escreve sob seu nome nas mensagens
nem sempre em paz mas sempre em movimento
queria ter a sua fibra

                                                 Igor Zanoni

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Diálogo


Diálogo


eu possuía um diálogo tenso
fazia perguntas de difíceis respostas
e exigia compromissos
com a verdade que talvez pudesse
ser descoberta desse modo socrático
 mas mal humorado
depois deixei de ser a Esfinge
que barrava a todos seu caminho
fiz perguntas para mim
como uma fera que se devora
assim percebi melhor meu sofrimento
e a vontade de pular essa parte
Ganpopa cita uma coletânea de sutras
segundo a qual meditar
é o mesmo e melhor que praticar
todas as virtudes
muitos julgam que o silêncio
é o cerne da meditação
que portanto esta não conduz a nenhuma resposta
eu digo seu asno! melhor sentar e meditar!
alguém perguntou alguma coisa?

                                              Igor Zanoni

domingo, 7 de agosto de 2011

Idosos

Idosos

A grande coorte de idosos que o Brasil possui hoje é um acontecimento recente e que ocorre em plano mundial. Para recebê-los foram criadas expressões retirando o preconceito contra “velhos” com termos como terceira idade ou melhor idade. Receberam cuidados de saúde especial pelo SUS, como tratamento contra hipertensão, ginástica, vacinas contra gripe, suas passagens de ônibus se tornaram gratuitas, com assento preferencial, e muitos serviços foram concedidos por menor preço, como a meia no cinema. Ao mesmo tempo a política de salários mínimos corrigidos acima da inflação e a própria extensão dos pensionistas e aposentados do INSS fizeram dos idosos um esteio de grande massa de famílias, num país onde os empregos são instáveis e mal remunerados para a maioria dos trabalhadores e os empregos para jovens são ofertados abaixo da procura. Além disso, os idosos, com garantia do INSS, puderam se endividar através do crédito consignado, manejando importante massa de recursos para a compra de duráveis e utensílios para o lar. É claro que tudo isso deve ser valorizado em termos da realidade brasileira, não se trata de que os problemas dos idosos foram resolvidos como precisam. Nem de que a valorização dos idosos ultrapasse muito a esfera socioeconômica estrito senso. A maior parte deles ainda é pobre, mas se fez melhores políticas contra a pobreza e a miséria. Além disso, padecem doenças ainda não suficientemente remediadas como o mal de Alzheimer e cardiopatias. Além disso, os idosos têm pouco a fazer com seu tempo. A falta de infraestrutura para o lazer nos bairros é flagrante, antigos pontos de reunião, como o bar associado a uma cancha de bocha ou malha, desapareceram. A solução é ir à missa, visitar interminavelmente a família, frequentar novenas ou apenas caminhar um pouco sem rumo, para escapar da televisão ligada em casa o dia todo. Mas alguns idosos conseguem a sabedoria de envelhecer bem, usando os aparelhos de ginástica nos parques, caminhando e mantendo o peso e a pressão nos limites adequados e descendo para a praia nos feriados. E dando graças a Deus por isso. Ontem meu barbeiro, o Clementino Gregório, que incrustou na rua de baixo à da minha casa sua casinha e um salão após as grandes geadas dos setenta, disse que ia visitar parentes em Maringá neste final de semana, mas exorcizou seus medos dizendo: “mas eu não digo que vou, digo que se Deus quiser eu vou porque tudo depende Dele”. Sinal de que a sensação de segurança na vida não é tão alta.

                                                            Igor Zanoni         

sábado, 6 de agosto de 2011

Irmãos

Irmãos

para crianças ou adolescentes
dois anos são eras geológicas
vi à certa distância meus irmãos
crescerem
não percebi mais do que não entendi
à época suas escolhas suas dificuldades
fui mais ligado a meus pais
daí a sensação de solidão
em uma casa cheia de gente
fui penso gentil com todos
a dois vi nascer junto com meu pai
levei um à escola quando já dirigia
ou acompanhava outro a festas
não fiz muitos comentários
ainda hoje me marca certa distância
certa deficiência afetiva
observo comento brinco
mas poucas vezes falo a sério
uma família são muitas famílias
não se pode viver todas
nem compreendê-las todas

                                                      Igor Zanoni

O Morro dos Ventos Uivantes

O Morro dos Ventos Uivantes


Li muito novo o livro e não retive nada, mas depois vi o filme e me impressionei com o clima intenso, em meio à natureza agreste dos personagens como Heatcliff, ou muito convencionais como Linton, e à paisagem rude do norte da Inglaterra. Novamente em cena pela série Crepúsculo, que não vi nem li muito pelo contrário, reli o livro de Emily Brontë, morta aos trinta anos, escrevendo-o nos primeiros decênios do século XIX. A idéia é que o amor supera todos os obstáculos que não uniram em vida Catherine e Heatcliff, mas sobrevive à morte. Depois de separados pelos interesses pessoais e estamentais da família de Cathjy, que morre prematuramente, o amante decide vingar-se em todos à sua volta, mas quando poderia levar adiante sua vingança, ela arrefece e ele deseja também a morte e ser sepultado ao lado de Catherine. É notável a passagem em que ele abre o caixão desta, e dá ordens ao jardineiro para ser enterrado junto dela, sem qualquer separação entre os dois caixões. Heatcliff se deixa morrer, não se alimentando e desejando a eterna união, e após sua morte são vistos os dois espectros por moradores do campo em torno às propriedades de ambos, abraçados e felizes para sempre. O amor nunca morre, mas não é só isso. o livro é todo construído por situações familiares que seriam banais não fosse a violência de Heatcliff e de seu afeto e a forma como tenta manejar seu destino. Mas outro destino o aguarda, o esperado anteriormente, a união com Cathy. Não há grande densidade psicológica ou situações que não possam se passar nas propriedades rurais médias do local, o que arranca o romance de sua medianidade são os encontros entre os personagens, plásticos, brutais, singularizando a falta de limite desse afeto. Estamos diante de um texto fundador do romantismo, bem distante dos romances mais regularmente construídos de Jane Austen. Aqui tudo é tumulto, premeditação, destinos curtidos pela agressividade da separação social, que a morte e a constância dos afetos remedia. De algum modo é assim mesmo, muitos afetos são eternos, talvez todos sejam eternos pelo menos enquanto sejam vitais ainda para nós. Mesmo quando não percebemos bem isto.

                                               Igor Zanoni