sábado, 31 de dezembro de 2011

Trem


duas pessoas podem viver
afastando-se à velocidade de um trem
mas recordam antigas expectativas
sonhos não realizados
o carinho que interrompeu
vez ou outra a fuga
o desejo de retorno
até que definitivo se frustre
rosas atiradas da janela
vestidos que se rasgaram
quartos de hotel onde se refugiaram
até que de novo se acendesse a luta
luzes mortas por todo o corredor
impossível ler o jornal
saber o que se passa com cada uma
o naipe de sopro toca um jazz
íntimo como o coração
mas os  sons se confundem
quem disse que champanha não sobe?
não se sabe o que fazer
se há o que fazer e para quê

                                                              Igor Zanoni

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Difícil


1
escrevo poemas desde adolescente. foi um ofício de difícil aprendizado, tanto quanto tocar piano ou estudar francês, coisas todas do meu tempo. no culto à ciência lia-se muito poesia, muito gonçalves dias, fernando pessoa, poetas dos quais se gosta sem fazer esforço. os professores não se aventuravam muito por drummond, esse poeta duro, nada bonitinho. gostava também de guilherme de almeida, hoje quase esquecido. mas leio pouco poesia e não entendo muito bem. eu escrevo, o que é diferente. este exercício é minha forma de minorar meu sofrimento, é só isso. lapidando pedras de um campo forçado, a minha vida, eu vou.

2
há pessoas para as quais tudo é difícil, até se colocarem em campo minado de equívocos, em todas as direções. tudo que elas tocam se transforma em pedra dura, que é preciso trabalhar, ainda que sem vontade. elas tem no rosto a marca de caim, que por amor ao Senhor matou seu irmão. mas não foi punido com a morte, senão a viver até o fim uma vida hostil.

                                              Igor Zanoni 

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mágica


as relações são mágicas caseiras
acerta-se pouco a pouco um jogo
de parcerias e itinerários cúmplices
mal se tem noção do que custa a cada um
e todos pensam estar agindo
da única maneira natural e possível
as falas se contém numa redoma
os passos em um círculo de giz
quando se está bem preso
comemora-se a elaborada liberdade
nunca palavra tão bela
foi mais aviltada

                                                   Igor Zanoni

Movimento


todo tempo paga tributo
a outro tempo
quando se amadurece
se tem vergonha dos jogos infantis
um poema se torna um dia
irreconhecível retrato
de uma pessoa anterior
o amor por que se mata
não conserva os antigos sentidos
e já não nos perdemos
quando o lembramos
estranhos seres sempre
em movimento
dialética dizia um poeta
não aprendemos com Hegel


                                                Igor Zanoni

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Relações


é preciso agradecer as relações
mesmo que findas
pois o mundo aparece somente
através delas
com face mais saudável e benigna
ainda que interrompidas firam
estas feridas saram
e suas cicatrizes moldam
 nosso rosto
um mestre disse que ver as coisas
dessa forma é alcançar
grande sabedoria
e o consolo do que não se perdeu
é uma jóia que satisfaz
todos os desejos

                                       Igor Zanoni

Triste


é preciso ficar triste
muitos períodos da vida
é melhor relaxar
dar longas caminhadas
deixar que o ar rompa a cinza
dos dias idos
acumulada nos pulmões
melhor a melancolia que a euforia
com um melancólico se fala
tece planos
há em suas palavras
uma delicada construção lógica
o maníaco se compromete o resto da vida
salta do telhado
gasta cartões de crédito
promete o que não pode cumprir
melhor o vivido que o esquecido
embora muitas coisas devam ser perdoadas
e esquecidas mesmo
melhor um pecador que se arrepende
que um justo que não reconhece
a mansidão do Senhor

                                                 Igor Zanoni

Vinho


é preciso perder o que nunca
foi mesmo muito bom
que custou tanto esforço
situações equívocas
e também alegrias
que vieram e se foram
sem muita explicação
e muita complicação
sabemos disso mas insistimos
em que a neblina se torne
tempo claro de distâncias medidas
e que a alegria e a paz
venha por virtudes
como amor generosidade
quando não há consenso
sobre o que são tais virtudes
como encontrá-las
melhor deixar que o mundo
se resolva
não temos tanto assim com o mundo
melhor ir a passos mais lentos
até ficarmos para trás
junto com o vinho nos barris
que tem seu tempo próprio
para se tornar palatável
e cheio de espírito
que por agora o tempo é verde
não se sabe até quando
ou se amadurecerá

                                                     Igor Zanoni

sábado, 24 de dezembro de 2011

I'm sorry


eu estava muito vulnerável
e como sempre inseguro
não havia scripts à disposição
e não tenho o dom de improvisar
vejo como as situações envelhecem
como se tornam cansativas
mesmo assim o gato e o rato
são inseparáveis na sua trama
eu queria ter nascido John Lennon
que era o cara e sempre sabia
o que falar e o que fazer
há pessoas que nascem como ele
a cada milhão de ciclos cármicos
mas eu não sei sequer pedir desculpas

                                                              Igor Zanoni 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Confidências


quando os amantes um ao outro
ternos se inclinam em confidência
desejam ser perdoados do que viveram
ainda sem culpa maltratados
em idade tenra
incapazes de errar ou acertar
tateando com o corpo a aspereza
e o acolhimento do mundo
logo assustados que tanta intensidade
houvera em torno
nos gestos a que o costume atribuía
familiaridade doce e não inóspita
este é o sacramento do amor
um batismo que os religiosos
não podem ministrar
porque não falam por si
tampouco ouvem por si mesmos
cumprindo rituais de um deus zeloso
abrem a cartilha e recitam o abc
mas não se dão nem se pertencem
como se dão e se pertencem os amantes


                                                                Igor Zanoni
                                                                

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Um modesto prazer de viver


todos sabem que nosso controle
sobre nossa vida
é demasiado precário
o inesperado raro acontece
mas o que pode acontecer
quase sempre acaba acontecendo
podemos pensar que amamos
e que somos amados
e até certo ponto é verdade
mas há uma insatisfação
que pode surgir e surge
queremos passar por cima
ser generosos pessoas de bom coração
e conseguimos mas não o suficiente
então acontece sempre o que tememos
a prova da nossa fraqueza
do nosso egoísmo
ou da desmedida apreensão
por detrás do que adivinhamos
que outros talvez vejam claro
mas como somos cegos para nós mesmos!
Deus nos deveria ter criado sem olhos
ou pelo menos sem pretensão
de espécie alguma
na falta disso precisamos aceitar
um modesto prazer de viver
mas jamais coisas esotéricas
como a paz ou a felicidade

                                                                       Igor Zanoni

Cemitérios


Nos velhos cemitérios, como o que há entre o centro da cidade e o Bom Retiro, ao lado do cemitério judaico, costumava-se erguer sobre o jazigo construções rebuscadas, ornadas com azulejos portugueses, estátuas de querubins e de diversas figuras canônicas. Talvez isso desejasse causar a impressão de vida no túmulo, como nas pirâmides egípcias ou nos diversos rituais fúnebres nos quais se depositava armas do morto para que caçasse nos campos do além, ou tigelas de ração e bom vinho. A morte era ignorada em sua consistência, como ainda é. Daí tantas precauções. Os velhos cemitérios constituíam pequenos bairros de casas menores, pois que na morte há decerto alguma redução, um sinal de menos, mas não de muito menos. Seguiam-se padrões arquitetônicos conforme  a moda e o estado da arte, longe estava o tempo das covas rente ao solo, encimadas por uma lápide e um vaso metálico para flores, tão alto o custo de vida que se espelhou nas campas. Devia-se andar de terno entre os jazigos, com flores nas mãos saudosas de carícias velhas. Hoje só se usa terno em ocasiões específicas; se alguém é crente, quando vai ao culto, caso seja advogado ou corretor de imóveis, ou ainda segurança de shopping, o tempo todo. Decerto custavam parte da herança tais jazidas, e os mais pobres se deixassem aos tatus. O cemitério moderno nasceu como profilaxia sanitária. Decerto nele pensou Oswaldo Cruz ou Carlos Chagas, entre os nossos. Mas faço um paralelo com a casa dos vivos, onde hoje não falta talvez o essencial, graças pelo menos à Bolsa Família, e a televisão, o mais democrático dos autoritarismos depois dos autoritarismos bolcheviques. Quem sabe nossas casas não pareçam um dia, aos futuros, túmulos financiados pela Caixa Econômica? Onde alguém senta, come, vê o Jornal Nacional, tudo na tensão terrível que assombra as famílias, principalmente aquelas que conservam as velhas que vieram nos anos setenta do interior, ainda jovens e velhas cedo se fizeram cercadas das incertezas urbanas? Matriarcas politiqueiras, cansadas de maus-tratos dos maridos e que sabe astúcias dignas de uma raposa velha? Isso na melhor das hipóteses, que essa é a fina flor da nossa vizinhança muy de barrio.

                                                      Igor Zanoni 

Letras Provinciais

 
1
no Bairro Alto há um edifício-cemitério
maravilha para quem teme ser enterrado vivo
ou comido por tatus
cosmopolita necrópole ecumênica
cheia de janelas sem luzes
porque os mortos são cegos
a rigor nem seria necessário janelas
mas dão um tom de lar
decerto há churrasqueiras
piscinas para os visitantes
bingos nos dias de Finados
solução para quem precisa de terrenos
para valorização imobiliária
pois um prédio desses substitui
toda uma colina de túmulos
mas para não obviar o óbvio
o dito prédio é pintado de verde
que descansa a vista
lembra o paraíso
que deve ser verde como o primeiro dia
como será o último
para o qual com impaciência nos vamos

2
na capela o padre sabe bem seu latim
nós igreja santa e pecadora
nessa peregrinação pela terra
vamos construindo o reino de Deus
que um dia há de ficar pronto
quando nossos corações também
se aprontarem
então virá o grande dia
e muitos améns de quem deseja entrar
mas se lhe dirá
eis que vos não conheço
raça de víboras
apartai-vos para o fogo eterno
lá haverá choro e ranger de dentes

                                                    Igor Zanoni

domingo, 18 de dezembro de 2011

Utilidade


as pessoas compram o que podem
um automóvel uma motocicleta
uma calça mais nova mais pizza
mais cerveja mais xburguer
embora a praia seja um perigo
e ir e voltar dure quase todo o fim de semana
podendo ou não vão à praia
pegar um náutico bronze
em casa a família unida compra uma tevê digital
e se desune a seguir por instinto de preservação
no campo não há lugar para ninguém
as cidades crescem pelos quintais
comem os quintais e os jardins
as pessoas aprendem não a se defender no trânsito
mas a partir para o ataque
camelôs nos sinaleiros vendem armas
direto do leste europeu
da américa latina do norte e da china
mas as pessoas também vão à igreja
e se convencem que um dia depois desta Disneylândia
vão ganhar túnicas brancas
e virar estrelas de Nosso Lar
as coisas são mais importantes que as pessoas
são importantes demais para que elas
descubram quanto
porque aprenderam que que o útil é o racional
e a utilidade é como bom-brill
limpa qualquer rastro de sujeira
e faz a glória dos presidentes

                                                            Igor Zanoni                                                         

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Toda mãe

 
objeto irredutível
oceano impensável
tigre e desejo
escapa pela fresta
um hábito de batom e seda
luta e sacramento
cerimônias de aproximação e recuo
corrente do golfo
vivificando o vasto Atlântico
no qual caem aviões da Air France
fotos de menina
solta pela casa
escondida embora
intempestiva se vai
destinos adjacentes
partem mudos
areoportos lunares
lançam sinais
a nossas íris consteladas

                                     Igor Zanoni

Claridade


o mundo era mais claro
quando eu tinha meu pai
ele explicava o que acontecia
com seu espírito autodidata
era um homem rude
mas caseiro e que gostava de ler
sentia sua fragilidade
e corrigia fazendo longos exercícios
de meditação e relaxamento
queria se tornar invencível
eu nunca compreendi isso
achava que meditação tinha mais a ver
com amor espírito puro
qualidades que não eram dele
meu pai tinha o dom de tornar o mundo claro
mas ele próprio era obscuro
embora não desistisse diante
de suas dificuldades

                                                        Igor Zanoni

Respirar

 
gosto quando respiro
e  me concentro nisso
estar só e quieto
o mundo não cessa de passar
por mim mas eu percebo melhor
seus ardis
tudo que posso evitar
ou de que posso me proteger
quando a dor das coisas
bate no corpo e na nossa paisagem
mesquinha e incessante
sento-me quieto
e vejo como o mundo passa
vertiginoso
mas algo em mim sustenta
serenidade

                                                              Igor Zanoni

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Casa


assim há muito na casa
que se vai asselvajando
cantos do quintal que não tocamos
e são tomados por ervas bravias
pequenos seres imaginários
entrando pela cozinha
aninhando-se sob os tapetes
procurando no interior
tudo quando condiz com sua
natural condição
e começamos a temer por nós
batemos as cobertas para saltarem
as eventuais aranhas marrom
fechamos as frestas com jornal
isolamo-nos dentro de casa
sem essa flora e fauna ancestral
mas aos poucos ficamos sufocados
com tantas janelas fechadas
tanta falta nossa de naturalidade

                                                                            Igor Zanoni 

domingo, 11 de dezembro de 2011

Recolhimento


há muitos caminhos que se pode tecer
na companhia do Senhor
não diga este ou aquele é o caminho reto
diga se Deus quiser eu o terei ao meu lado
Ele é claro quando praticamos a modéstia
e em silencio buscamos seu conselho
não diga este e aquele se perderam
porque o Senhor restabelece e cura
e está onde não adivinhamos
o mundo é obscuro e tolda a luz
da paz e da integridade
mas mesmo andando às cegas
podemos nos sentir insatisfeitos
e pedir ao Senhor que nos recolha


                                                    Para Siddhartha
                                                Igor Zanoni

sábado, 10 de dezembro de 2011

O ano que não acabou

O livro de Zuenir Ventura, publicado há já um bom tempo, sobre o ano de 1968, mostrava como a rebeldia tomou conta de operários, políticos e militantes contra o regime militar, ou contra o sistema capitalista e seus privilégios e injustiças congênitos, bem como de jovens e intelectuais que lutavam por novas formas de expressão pessoal, no plano da sexualidade, da herança artística e de nosso passado patriarcal e masculino. Passados tantos anos desde então, tudo mudou para continuar como era. Ou seja: o domínio do capital sobre as sociedades, mesmo quando estas continuam a expressar a recusa contra direitos negados em nome da salvação de especuladores e gênios construtores de crises e de guerras, continua tão ou mais forte que antes. Houve um 1968 da linha dura em todo o mundo, e uma rebeldia do capital contra qualquer forma de populismo, privatizando ainda mais o poder e a alça de mira. O resultado, no Brasil, é uma multidão sitiada, sem lugar no campo ou nas cidades, empurrados para a violência e a drogadição, no limite tentando encontrar-se em igrejas pentecostais que se abrem em cada estabelecimento comercial que fecha. Sem lugar no orçamento público corroído pela corrupção, depois de reservado espaço para os juros da dívida pública. Não há projetos consistentes, apesar do debate entre intelectuais bem intencionados, dado o poder das ONGs que se aparelharam no Estado e fecham a boca para despautérios como a construção de Belo Monte entre outros. A privatização ronda a educação pública, a saúde, o neoliberalismo toma outras formas mais sutis, sob aspecto popular e progressista. Realmente nem se pensava em tanto em 1968. A única coisa que ficou foi uma maior leniência para beijos gays na tevê ou cartilhas contra a homofobia nas escolas públicas.  Mas fica tudo o mesmo. A mesma exploração do corpo feminino (e masculino), o ímpeto agressivo bem vindo aos índices de audiência dos programas de vale tudo, o poder dos bancos e da mídia. E um sensacionalismo rude que causa vômito quando se abre um site para examinar e-mails ou quando se leva um filho ao cinema, ou se ouve alguém que não é nem bom economista falar como pensador, tais como os Eduardos Gianettis da vida, defendendo o sagrado mercado, ou  se divulgam os twiteres das atrizes globais buzinando tolices e brigando entre si.

                                             Igor Zanoni

Questão de método


por uma questão de método
aprofundamos a investigação
do que pensávamos que sabíamos
questionamos o passado outra vez
porque as novas percepções
revelam o que havia de oculto nas antigas
debruçamos sobre o antigo
em busca do presente
e o presente em busca do futuro
vivemos entre andaimes
reconstruindo o mundo
que naufraga

                                                      Igor Zanoni

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Sol


há pessoas que se desgarram
rumo a definições suas
que nem podem ser as nossas
mas que precisamos se não entender
ao menos torcer vá na paz possível
com as dificuldades inevitáveis
com o cenário que a mente fabrica
bem podemos entender uma parte
um esforço nesse sentido não é banal
mas pode não ser o nosso jeito
porque ainda temos uma reserva
necessária para não sofrer tanto
não levar tão a fundo
e quando levar respirar antes
muito ar
de modo que dê para ficar
só no fundo do olho
um tempo suficiente
para que não nos julguem perdidos
e sentir que a tristeza depois de dois dias
cansa e é hora de levantar da cama
e abrir o olho para o sol

                                                                 Igor Zanoni

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Luta livre


O impulso para a destruição dos seres humanos nunca foi tão usado pela telinha que os vários programas de alguma espécie de luta livre. As antigas lutas livres da minha adolescência eram paródias das reais, relegadas aos submundos da cidade. Nelas havia galãs como Ted Boy Marino e anti-heróis como Phantomas. Tudo era planejado, os golpes e contragolpes, o andamento das lutas, seus resultados, lembrando uma série ou novela de tevê. Na atualidade as pessoas batem e apanham a valer, com quase nenhuma proteção, sangram a valer sem prestar atenção em possível contágio de doenças como aquelas que o futebol previne à menor gota de sangue. Meus filhos adoram, não se tornam violentos por isso, mas às vezes perdem o sono e lutam também, alguns deles. O menor de treze anos luta muay tay, o de 27 luta há muito tempo kung fu. Este último é pacifista e filosófico, o outro só quer gastar o máximo de energia contida em seu corpo. Como pai que fez psicanálise entendo que esse impulso sempre foi o mais usado nas artes modernas de grandes massas e deploro. Não consigo assistir a uma luta. Agora ela ganhou status oficioso com a transmissão de eventos pela Globo. Agora fazem parte da cultura brasileira, como os beijos entre gays e outras antigas proibições. Eu me preocupo com a Síria, o Afeganistão, as mortes urbanas vinculadas a milícias, tráficos, desastres com motos. É multiforme o impulso. Mas é claro, há agressão que não sangra. Houve um tempo em que o boxe também era luta dura ligada á máfia e ao tráfico de drogas pesadas, vide Raging Bull . E artistas do ringue como Muhammad Ali, politizado, preso por se opor ao Vietnam. Mas esperar disso do muay thay é absurdo. Ali a política não tem lugar porque o boxe era uma forma violenta de diálogo social. Quão perto disso está a luta livre?   


                                                                              Igor Zanoni

Abrigo


não espere muito
em troca de seu amor
uma terna moderação
uma moderada ternura
as aves fazem seus ninhos
e as raposa seus covis
faça com seu amor
ameno abrigo

                                                      Igor Zanoni

sábado, 3 de dezembro de 2011

Bullying


quando alguém num lugar
como um shopping
te olha sabe logo
qual é sua classe
quanto você deve ganhar
onde pode morar
qual a sua religião
o seu nível de escolaridade
se sabe ou não inglês
se deve andar com você
ou é bom alguém sair de perto
te rotula como tolo ou inteligente
se você faz parte ou não faz
se pode ou não pode jamais
isso se chama luta de classes

                                                          Igor Zanoni

Perda

o pior de uma perda não sentimos no momento em que a percebemos irreversível. o pior vem quando seu significado se torna mais complexo e preciso. quando percebemos uma paisagem mental e queremos discutir com a pessoa à qual ela se refere e esta já não está disponível para nós. quando se trata de uma perda marcante como a de um pai, muitas referências comuns passam a ser carregadas apenas por nós, já não podemos fazer nenhuma mudança juntos, nenhuma discussão. os que se foram são silenciosos e impõem a nós silêncios amargos. nós da era moderna aprendemos a analisar o nosso eu e a travar com ele uma discussão perene. mas esta não se faz sozinha, exige as pessoas que amamos, como testemunhas de nossa dor e de nossa alegria. elas revivem o coro das tragédias, que declara a verdade que sofremos. que somos nós sem essa verdade? ela não pode ser construída no nosso interior, exige outros atores, a trama, tudo isso que os outros também são. quando dizemos: quem viveu isso? podemos responder: fui eu?  tolice. fomos todos nós, todos nos remetemos, todos nos carecemos. a perda de um pai apaga pontos luminosos que jamais se acenderão de novo. e o mesmo se refere a outras perdas. choremos uns pelos outros, choremos por nós.


                                                    Igor Zanoni

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Amantes


quando passa a raiva
a desilusão
e alguém acha que pode
muito bem estar sozinho
põe-se melancólico
bebe um vinho
lá pelas tantas telefona
e já se faz sociável
ouve uma música
pensa no amanhã
que diferente será
mas vá alguém brigar
com seu amor
pura desrazão
ataques fulminantes
tais são as gatimanhas
dos amantes

                                                  Igor Zanoni

Tísica


tempo de nêsperas
e ameixas
tempo de gueixas
fôra eu Kawabata
tempo de vésperas
e de esperas
de aliterações e rimas
a peso de ouro
fôra eu Cruz e Souza
tempo de véus
alvas cambraias
salão dos beijos perdidos
dos passos inúteis
e a tosse o escarro
também se fizeram poemas
com a tísica e coisas piores

                                                     Igor Zanoni