segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Cemitérios


Nos velhos cemitérios, como o que há entre o centro da cidade e o Bom Retiro, ao lado do cemitério judaico, costumava-se erguer sobre o jazigo construções rebuscadas, ornadas com azulejos portugueses, estátuas de querubins e de diversas figuras canônicas. Talvez isso desejasse causar a impressão de vida no túmulo, como nas pirâmides egípcias ou nos diversos rituais fúnebres nos quais se depositava armas do morto para que caçasse nos campos do além, ou tigelas de ração e bom vinho. A morte era ignorada em sua consistência, como ainda é. Daí tantas precauções. Os velhos cemitérios constituíam pequenos bairros de casas menores, pois que na morte há decerto alguma redução, um sinal de menos, mas não de muito menos. Seguiam-se padrões arquitetônicos conforme  a moda e o estado da arte, longe estava o tempo das covas rente ao solo, encimadas por uma lápide e um vaso metálico para flores, tão alto o custo de vida que se espelhou nas campas. Devia-se andar de terno entre os jazigos, com flores nas mãos saudosas de carícias velhas. Hoje só se usa terno em ocasiões específicas; se alguém é crente, quando vai ao culto, caso seja advogado ou corretor de imóveis, ou ainda segurança de shopping, o tempo todo. Decerto custavam parte da herança tais jazidas, e os mais pobres se deixassem aos tatus. O cemitério moderno nasceu como profilaxia sanitária. Decerto nele pensou Oswaldo Cruz ou Carlos Chagas, entre os nossos. Mas faço um paralelo com a casa dos vivos, onde hoje não falta talvez o essencial, graças pelo menos à Bolsa Família, e a televisão, o mais democrático dos autoritarismos depois dos autoritarismos bolcheviques. Quem sabe nossas casas não pareçam um dia, aos futuros, túmulos financiados pela Caixa Econômica? Onde alguém senta, come, vê o Jornal Nacional, tudo na tensão terrível que assombra as famílias, principalmente aquelas que conservam as velhas que vieram nos anos setenta do interior, ainda jovens e velhas cedo se fizeram cercadas das incertezas urbanas? Matriarcas politiqueiras, cansadas de maus-tratos dos maridos e que sabe astúcias dignas de uma raposa velha? Isso na melhor das hipóteses, que essa é a fina flor da nossa vizinhança muy de barrio.

                                                      Igor Zanoni 

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