segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Tempo


não busquei o futuro
a ascese no mundo
a mim basta a saga da infância
as lendas que reconto na urdidura
de meus próximos
mesmo que espíritos
presidindo um sentido
que não pode ser pensamento
apenas presença
mitos que repõem uma invisível eternidade
contra a ordem burguesa
coloco a anarquia do meu coração
contra o Estado
o dinheiro o poder a igreja a história
a desesperança e a esperança
em mim flui o Ganges
de meu particular Ramayana


                                                                      Igor Zanoni

sábado, 28 de novembro de 2015

Amar se aprende amando




separando-se  após um longo casamento, um amigo me disse que o pior para ele era uma relação com uma mulher que amara tanto e com a qual fizera tantos projetos tornar-se tão sem grandeza e tão indigna dos dois. no século XIII, Mestre Dogen escreveu que melhor que procurar o amor é buscar o não-ódio. o amor é um sentimento confuso e belicoso, e projetos não tinham sentido para um mestre como ele. o amor costuma ser violento e insiste em manter-se dentro de uma certa faixa de apelo emocional e stress, que julgamos ser um grande sentimento humano e uma grande realização pessoal, especialmente quando a religiosidade enfatiza o casamento como um vínculo indissolúvel próximo ao que une o ser humano a Deus. mas para o momento talvez o melhor mesmo seja começar por estabelecer paz nas relações e equanimidade, procurar o bem do parceiro sem fazer um projeto pessoal em que ambos se comprometam com um pensamento e um ideal obscuro, inclusive porque o pensamento mantém ilusões e propostas de ação que não damos conta. melhor a paz, paz para todos os seres, para que possam ser cosmos e não caos em sua interdependência. talvez isto seja um real aprendizado do amor, esse sentimento do futuro se tivermos todos mesmo um futuro.


                                                                                Igor Zanoni

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Irmãos

alguém se bate
na cama ao lado o irmão percebe
a casa sonha com as estórias
que um conta sobre o outro
estórias compartilhadas
apenas em sua neblina se vê
em seu enredo pode haver um vencedor?
o que mais se faz é lutar
na noite no sonho
depois a estória toma outras formas
outras palavras ditas por outros
e os irmãos julgam-se atentos
movendo sua vida
quando quem ama se faz distante


                                                           Igor Zanoni

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Contigo en la distancia


quero ir andando e esquecendo
ganhar distância mas não de você
sebo nas canelas destas tarefas fake
mas estarei contigo na distância
dias inúteis como deixa-los?
esquecer tantas conversinhas
e pessoas que desejam tanto
ser convincentes ainda que por elas
eu não daria sequer um doce
esquecer o medo
essa ultra politica do cotidiano
banhando o dia como um antídoto
inútil para a insegurança a tristeza
viver sem nenhum projeto
sem futuro sem preferências
de uma vez por todas a coragem
de não precisar ser corajoso para ser
mas estarei contigo na distância
amada minha por toda parte
serei afinal teu e meu
e o que for nosso será sacro
como um segredo dito no mistério


                                                                    Igor Zanoni

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Ardil


se me cerca como presa fácil
essa ferocidade cotidiana
esse mal que minha alma
não pode perceber
que mesmo embalado nos jornais
que disputam minha mente
e para isso tentam entrar
em um acordo comigo
tentam imaginar como sou
em que caixinha me sinto
confortável protegido
capaz de projetos
fujo para os Andes que escutam
o cochicho dos anjos
a tristeza bailarina do tango
recolho as palavras que vem
caindo em desumano desuso
com elas faço um travesseiro
no qual possa adormecer
se o real é o sonho impossível
e as impossibilidades de cada dia
ignoram meus últimos ardis


                                                           Igor Zanoni