no tempo da minha rua de casa, eu sentava no meio fio
e esperava alguma novidade. o calor amolecia os consertos de piche feitos no
asfalto e era preciso tomar cuidado para não prender neles as havaianas. depois
de um bom tempo sozinho ali, passava um sorveteiro, eu não me lembro como mas
tinha sempre umas moedas no bolso do shorts para comprar um picolé de chocolate
ou de creme holandês. melhor era quando vinha o homem com um latão de bijus, um
ponteiro sobre o latão que eu girava sorteando a quantos bijus teria direito.
raramente passava um carro, a rua permaneceria quieta não fossem esses
incidentes. mas eu tinha alguns vizinhos, que apareciam para um jogo de botão
ou um jogo de betes. eu sempre fui muito bom, sem falsa modéstia, no botão,
fazia meus jogadores com o celuloide dos relógios, colava embaixo a foto de um
craque que eu recortava de revista ou jornal. como naquele tempo as equipes de
futebol raramente mudavam o seu plantel, eu conhecia de cor a escalação de
todos os times que disputavam o campeonato paulista. também naquele tempo não
havia grandes torneios nacionais como hoje, o campeonato paulista e o Rio-São
Paulo eram os que eu acompanhava em meu rádio de pilha, às vezes dormindo sobre
o rádio nos jogos noturnos. para cada time paulista eu tinha um correspondente
em botão. já no betes eu ia bem, porque era alto e corria, mas jamais poderia
ir tão bem quanto Natália, uma russa que morava na esquina com seu irmão e seus
pais. ela era mais do que alta e veloz, era uma moça impulsiva e ardente, que
gritava o jogo todo e que em uma tarde, correndo atrás do irmão dentro de casa,
deu um murro na porta de vidro da sala e rasgou o antebraço de um modo absurdo.
Natália nunca me olhou de frente, nunca nos falamos, ela apenas passava para cá
e para lá sei lá fazendo o que, mas eu a olhava, foi um dos meus primeiros amores,
silenciosos e doloridos, alto, louro e russo, ainda hoje me dói quando penso na
Rússia.
Igor Zanoni