ela usava um piercing entre os dentes incisivos, duas
bolinhas prateadas. olhava para mim de modo insistente, mas sereno, enquanto
embrulhava o bolo de ameixas que eu havia comprado. avisou que agora ela fazia
também bolos com recheio e cobertura, que havia levado um para o aniversário da
filha, perguntou se eu não queria experimentar. ela era alta, vinte e tantos
anos, usava um anel também prateado na mão direita mostrando que não era casada mas tinha um
compromisso sério com alguém. olhava com insistência, repito porque isso me
atraiu e incomodou ao mesmo tempo. passei a imaginar a vida com sua filha,
quantos anos teria a menina, se ela era filha também de seu namorado, se a moça
ia se casar ou se iria trabalhar fazendo bolos na loja para manter as duas.
bom, a cabeça dá voltas, alias bem previsíveis. a moça não era bonita nem feia,
era uma jovem, os jovens em geral são interessantes, ainda mais com o piercing
estranho e as mãos lentamente embrulhando meu bolo de ameixas. demorei mais
para sair da loja do que eu planejava, fiz uma compra vagarosa, olhando e
pensando na moça que me olhava falando do aniversário da filha e dos seus bolos
com recheio e cobertura, talvez não costumasse falar com ninguém e não falasse
comigo senão para se distrair. seu piercing brilhava, ela possuía uma boca com
dentes compridos, toda ela era longilínea, as mãos também eram grandes, e
embrulhavam devagar o bolo, era um bolo simples, redondo, com ameixas, parecia
gostoso, ela devia ser mesmo uma boa doceira, tinha um jeito doce também, agora
digo, na hora não disse, nem a mim muito menos a ela, aliás, tenho um imenso
talento para manter-me reservado especialmente em situações que me confundem.
Igor
Zanoni
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