Educação e amor
meu pai estudava
muito a Bíblia no seu modo autodidata e
literal, modo aliás dos pastores que conhecíamos. mudava sempre de igreja ao
concluir que sua doutrina era contraditória com o que lia, ou que em si mesma
não fazia muito sentido. mesmo com esse método errático chegou a muitas
observações interessantes, como o sentido da palavra “profecia”, que para ele
não era uma previsão sobre o futuro, mas um juízo sobre o presente, que um
profeta fazia à luz de sua interpretação dos textos sagrados que conhecia. eu
era um mocinho compenetrado e devoto dada a educação que tivera, e discuti
muito essa opinião, entre outras, citando textos que para mim estavam fora de qualquer
questão. mas reconhecia seu trabalho e o ajudava recortando Bíblias, que
remontávamos por temas e palavras em grandes cadernos, embora eu não soubesse
bem a que aquilo se destinava. conhecendo a personalidade de meu pai, concluí,
sem jamais dizer a ninguém, que ele estudava muito mas não tinha amor. depois
pensei que talvez, com seu modo autoritário, ele buscasse um espaço para sua
própria individualidade e que era muito embaraçoso atender às necessidades
afetivas de tantos filhos e uma mulher ávida demais pelo presente, na sua
opinião. às vezes se justificava dizendo
que o problema dos pais é que seus
filhos não nascem com um manual de instruções. depois começou, sempre ao seu
modo, a estudar educação, lendo minuciosamente a obra em dezenas de volumes de
Massaharu Taniguchi, A Verdade da Vida, que ele admirava apesar de sua
prolixidade. muito mais tarde, fui de Curitiba a Campinas me despedir dele,
pouco antes de falecer. pediu-me que
abrisse uma gaveta no seu guarda-roupa e lesse em voz alta um maço datilografado
de folhas sobre educação. pareceu-me que ali resumira as pesquisas de sua vida
toda, e que havia feito o que podia com seu amor.
Igor Zanoni
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