segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Educação e amor

Educação e amor


meu pai estudava muito a Bíblia  no seu modo autodidata e literal, modo aliás dos pastores que conhecíamos. mudava sempre de igreja ao concluir que sua doutrina era contraditória com o que lia, ou que em si mesma não fazia muito sentido. mesmo com esse método errático chegou a muitas observações interessantes, como o sentido da palavra “profecia”, que para ele não era uma previsão sobre o futuro, mas um juízo sobre o presente, que um profeta fazia à luz de sua interpretação dos textos sagrados que conhecia. eu era um mocinho compenetrado e devoto dada a educação que tivera, e discuti muito essa opinião, entre outras, citando textos que para mim estavam fora de qualquer questão. mas reconhecia seu trabalho e o ajudava recortando Bíblias, que remontávamos por temas e palavras em grandes cadernos, embora eu não soubesse bem a que aquilo se destinava. conhecendo a personalidade de meu pai, concluí, sem jamais dizer a ninguém, que ele estudava muito mas não tinha amor. depois pensei que talvez, com seu modo autoritário, ele buscasse um espaço para sua própria individualidade e que era muito embaraçoso atender às necessidades afetivas de tantos filhos e uma mulher ávida demais pelo presente, na sua opinião. às vezes  se justificava dizendo que o  problema dos pais é que seus filhos não nascem com um manual de instruções. depois começou, sempre ao seu modo, a estudar educação, lendo minuciosamente a obra em dezenas de volumes de Massaharu Taniguchi, A Verdade da Vida, que ele admirava apesar de sua prolixidade. muito mais tarde, fui de Curitiba a Campinas me despedir dele, pouco antes de falecer. pediu-me que abrisse uma gaveta no seu guarda-roupa e lesse em voz alta um maço datilografado de folhas sobre educação. pareceu-me que ali resumira as pesquisas de sua vida toda, e que havia feito o que podia com seu amor.


                                                   Igor Zanoni   

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