Doutor Josino etc.
Em uma das muitas vezes nas quais me tranquei no quarto por muitas semanas, sempre aproveitando para por em dia uma dissertação de mestrado ou ler a biografia toda de Trotsky por Isaac Deutcher, para ter do que falar depois, doutor Josino, o grande, um dos fundadores do movimento psiquiátrico e analítico moderno em Curitiba, idealizador junto com uma selecionada turma de médicos do antigo Hospital Pinel, pelo qual passamos quase todos os meus amigos, os melhores e mais talentosos, como regra sem exceção, disse-me que eu gostaria de ser como Emily Dickinson, que se fechou em casa para escrever poemas e cuidar dos filhos. Como não vi nesta aguda observação nenhuma crítica, comemorei-a experimentando um novo ansiolítico e escolhendo pela lista telefônica uma nova seita religiosa. Doutor Josino se divertia comigo e eu com ele, tratou-me por muito tempo sem cobrar, até que a concorrência e as terapias neo-lacanianas reduzissem seu borderô. É verdade que nessa mudança esteve implícita uma decepção com a Nova República e o governo Lula, já que ele tinha admiração por Carlos Lacerda, o temido e arguto tribuno. Como sempre fui jacobino e não tinha dinheiro, ficamos sem nos ver mais, mas sempre tenho notícias por amigos, aos quais repete o bordão: “o que falta no Brasil é um bom partido de direita”. Eu concordo que falta qualquer partido, concordo que nos faltam tribunos, que o governo não pode muito, mas, além disso, na ditadura era jovem para prestar atenção em política, e de qualquer modo, prefiro me definir como um homem acima dos partidos. O único político que me emocionou foi Teotônio Vilela e o primeiro de que ouvi falar foi Tenório Cavalcanti. Acabei me decepcionando com essas conversas e tratei de cuidar sozinho de mim mesmo. Quando se está só pode-se ser um poço de contradições sem problemas. Parece que foi o próprio Freud que não viu nisso grande problema e se foi mesmo estou bem respaldado. De todo modo ainda tenho certa gratidão pelo doutor Josino, embora tenha visto nele certo complexo de pai. É difícil falar dos pais, mas aceitei o fato pela companhia inteligente, por poder dar vasão à minha melancolia com um homem preparado e ter argumentos para faltar ao trabalho. Foi divertido, mas foi também foda.
Igor Zanoni
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