quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Simples


poemas simples de Manuel Bandeira
ou seu xará Manuel de Barros
provém de meditada elaboração
a simplicidade surge sempre como requinte
da linguagem da arte
o resto é rusticidade
os rústicos não são simples
são ingênuos e rústicos
ou ardilosos
como é ardiloso o Jornal Nacional 


                                                                    Igor Zanoni                                         

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Pesadelo

 
As últimas eleições presidenciais no País passaram como um longo pesadelo. Vizinhos se tornaram inimigos, famílias se desavieram pelo medo de que o aborto fosse legalizado, como se já não o fosse, nos quadros legais existentes, ou que o casamento gay fosse aprovado, o que não é um problema moral ou religioso, mas um simples regulamento para que casais homossexuais legalizem sua situação patrimonial. Em outras eleições os sem terra foram elevados á distinta condição de inimigo número 1 da ordem capitalista, esquecendo a Pastoral da Terra e o longo curso teológico em que bebem as reivindicações por terra no Brasil, mais importantes que tons socialistas ou marxistas. Apesar de eu não ser o primeiro a defender o atual governo Dilma, não serei também o primeiro a atacá-lo. Os interesses dominantes no Brasil concentram-se na mídia, e no seu poder de convencimento sobre os mais desavisados, referente a tudo que se passa no mundo. Ao lado dele, há os interesses do sistema financeiro, com sua garra sobre o que se faz  em termos de política monetária e fiscal. Há ainda os interesses dos setores exportadores onde se destaca o agronegócio que hoje ameaça a Amazônia e produz anualmente enormes extensões de terra inutilizada pela selvageria da agricultura tecnificada e oligoplizada. Os outros interesses pouco contam. Faz-se o bolsa família, aumentam-se um pouco os salários reais de aposentados, repõem-se vagas no setor público, mas tudo com comedimento. A presidente Dilma disse aos jornais que o Brasil hoje é “uma potência agrícola”. Ora, já éramos isso no século XIX, e pulamos por cima do esforço industrializante de Getúlio Vargas, Juscelino Kubistchek, entre outros, e esquecendo a destruição de nossa indústria e do patrimônio nacional, público e privado, pelo neoliberalismo de Collor, Sarney e Fernando Henrique Cardoso. A presidente tenta limitar a sanha do Banco Central, mas não pode parar Belo Monte, pois é obra central no PAC-Programa de Aceleração do Crescimento, visando fornecer energia para a produção de alumínio para exportação, de quebra inundando terras indígenas de diversas etnias e patrimônio cultural e linguístico. Poderíamos ainda falar no absurdo que é a transposição do São Francisco, obra momentosa de que quase se deixou de falar. As pessoas que pouco acesso tem à educação falam de um Brasil corrupto, de um País que precisa ser privatizado, como se repetissem tudo o que o Jornal Nacional prega. Isso é pior que música sertaneja, é um ultraje à inteligência de quem conhece o Brasil e sua história.

                                                            Igor Zanoni

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Minha religião



Não sou ateu militante, talvez sequer seja ateu ou irreligioso. Mas penso a religião, como belamente exprimiu Rubem Alves, como o suspiro dos oprimidos, ou diretamente como Marx, como o coração de um mundo sem coração. Vejo nas suas melhores manifestações a religião como a espiritualização do desprazer da existência, ou como o tornar sublime -sublimar- a dor que o mundo nos cobra, pelo menos á maioria das pessoas, e a mim também. Só assim ela se torna um bálsamo, um analgésico potente como o ópio para o povo. É também possível ver a religião em seu lado mais humano, despida dos seus obsessivos rituais, seus paramentos imponentes, sua disciplina de um pai férreo. Lembro-me de uma passagem na qual Madre Teresa de Calcutá socorreu em seus braços um homem caído, muito doente, e este lhe perguntou: - Mas eu sou um intocável! O que a senhora está fazendo? Qual é a sua religião? Ela respondeu: - Minha religião é você. Esse humanismo me toca, e penso que, ao contrário do que dizem, que todas as religiões são boas, nenhuma é boa mesmo, mas uma certa religiosidade faz falta a muitos.

                                       Igor Zanoni

Heróis


difícil distinguir sonho
lembrança devaneio
a vida é túnica inconsútil
que tecemos em várias direções
as relações se transtornam
tornam-se sementes de muitas
histórias
sem ordem apenas um desejo
que contém em si outros
por uma curiosidade infantil
que nos acompanha para sempre
somos aí nossos heróis  
contamos aos outros o que somos
se é que somos
e assim mal saciamos
nossa vitalidade

                                              Igor Zanoni

domingo, 27 de novembro de 2011

Amar


pelo menos os neuróticos como eu vivemos em um mundo sem muito amor e sem prazer. sustentamos muitas vezes situações adversas por longo tempo sem acreditar que prometam mais do que estão dando e ficamos assim. também as pessoas que amamos são objeto de curiosa e intensa  expectativa, de que ajam como sonhamos ou falem a palavra que esperamos, mas é claro que nada disso acontece. e há mesmo pessoas que nos amam, desde que nos contentemos em permanecer nos seus parâmetros e aí ou sofremos e mantemos uma relação ambígua ou deslizamos culpados para fora, retornando de vez em quando, tentando adormecer com muitos comprimidos de rivotril, ou eventualmente deslocando o outro para dentro do nosso âmbito, e aí sendo feliz enquanto o outro decididamente não pode. a teimosia não vence muitas batalhas, se é que já venceu alguma. às vezes sabemos o que se passa, estamos a ponto de dizer, mas crises temperamentais do outro, dos filhos, dos que estão em volta de diversas formas, nos tornam covardes. é melhor ir embora que fazer uma carreira no Itamarati para suportar algum desses que estão em volta. muitas vezes são intocáveis, já experimentou desdizer uma matriarca como sua sogra ou um prepotente como seu pai? por isso nós neuróticos lembramos o velho adágio: “viver é perder amigos” e, é claro, ilusões de amor, de paz, de felicidade. mas dá para manter o bom humor se tivermos paciência suficiente.

                                                        Igor Zanoni

sábado, 26 de novembro de 2011

Legião

 
dizem que deus e o diabo
eram um só
como o pai é esse cara duplo
assim como caim e abel eram irmãos
e adão e eva um só
dizem que no princípio havia o um
mas em nós há muitos
há toda uma legião
de anjos e demônios

                                                                                                                                   Igor Zanoni

Nervoso

 
se estiver nervoso
arranhando a própria pele
andando camuflado de cidadão na rua
por dentro um inimigo público
de si mesmo
não beba não beije não escreva
sente sozinho
mas não leia não ouça musica
não tente pensar
a paz é uma árdua conquista
não definitiva
nós existimos sob o império do não
sobre o mundo há um não
então sente sozinho
a noite pode durar
dias podem vir
você pode se danar
mas veja outra hora o que pode fazer
agora não

                                                                              Igor Zanoni

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Quase biografia


vindo de uma família marcada pelo conflito entre uma mãe que não queria ser rainha do lar e um pai militar e autocentrado, ele construiu para si um recanto de referências de livros, amigos com os quais aprendeu a ouvir Os Beatles, e irmãos igualmente submetidos a agudos conflitos. desde cedo mostrou mais interesse em ler qualquer coisa, como receitas na caixa de maisena e indicações nas bulas de remédio para sua crônica dor de garganta, que estudar algo sério e racional como matemática e física. sua época foi marcada pela introdução do país em um ambiente industrial e urbano, que logo recaiu em crises políticas, instabilidade econômica e violência generalizada. algumas moças viram nele o que não se sabe mas com cerca de trinta anos já possuía quatro filhos, seus maiores amigos pelos quais esqueceu ainda mais os estudos e o trabalho para brincar, ir a parques onde faziam piqueniques ou para leva-los ao Pequeno príncipe costurar seus machucados. tentou algumas filosofias de vida, como o catolicismo e o budismo, mas em nenhuma ouviu a resposta que buscava. esta veio antes na forma de poemas onde colocou o problema do homem no mundo, sem método ou talento, é verdade, mas sempre com a ingenuidade natural que a vida não sufocou.

                             Igor Zanoni

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Vida


muitos sentem nesta época do ano
o quanto têm de resolver ainda na vida
dívidas exames pendências amorosas
e com a família
é preciso consertar o carro
trocar as calhas da casa
fazer um novo exame médico
visitar amigos que não se vê há tempo
o final de ano é uma época
na qual se deseja resolver
todas as coisas em definitivo
ligar para quem não se vê há anos
dizer eu te amo para quem
mal se diz bom dia
ora vamos dar um susto em muita gente
ou ter um período mais culposo
que a quaresma
essas coisas se resolvem ou não
no curso da vida
ergamos nossa taça e não digamos
nossa vidinha
digamos Vida!
e vamos lembrar do que consiste mesmo
 a Vida

                                                   Igor Zanoni

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Precários

 
todos os filhos estão ali
em um retrato na parede
ou sobre a cômoda
meu pai quando visitou Curitiba
com ar condescendente de quem visita
os parentes pobres
minha mãe bem nova de laço
as mãos cruzadas sob o queixo
mas nem todos estão ali
contamos nossa vida pela metade
a metade que doeu mais
cortamos fora
achamos bom brigar e manter
certa distância regulamentar
para sempre
nós brincamos com o infinito
mesmo sendo tão precários

                                                            Igor Zanoni

domingo, 20 de novembro de 2011

Livro



há pessoas para as quais basta um livro
para se considerarem sábias
preverem o futuro
entenderem o início dos tempos
o mistério do mal
e sonharem com um feliz recomeço
um livro que conta a mesma história
do início ao fim
que jamais se tornará anacrônico
pois o céu e a terra passarão
mas nem um jota nem um til deste livro
perderão seu valor


                                               Igor Zanoni

sábado, 19 de novembro de 2011

Gerações


quando o filho nasce é bom o pai
se preocupar com a própria morte
e cuidar para que o filho cresça com sabedoria
quando seu próprio pai morre
deve deixar um pouco tudo isso
para passar uma segunda mocidade
brincando com os netos
quando os netos crescem já é hora
de agradecer o cuidado que pôde ter com a vida
pedir perdão por suas tolices
e rezar por um último raio de lucidez

                                                          Igor Zanoni 

Culto à Ciência



O Colégio Culto à Ciência era em Campinas nos idos de sessenta e início dos setenta um dos melhores colégios do interior  de são Paulo, exemplo da boa escola pública de então, que havia tido entre seus professores nada menos que Santos Dumont. Havia um vestibular para ingressar no seu ginásio, com um preparatório de um ano após o primário. Posso dizer que estudei pouco lá, apenas o que amava, como Literatura, Francês e História, mas não me perdi demais nas outras matérias. Nunca reprovei sequer em Química, um dos meus pesadelos. Mas o melhor lá era o esporte, com o ginásio Alberto Krum e o grande campo de futebol onde havia traves, rede, jogos de camisa e campeonatos intercalasses. Ganhei muitas medalhas que a vida levou em basquete, handebol, corrida embora nenhuma de futebol. Era a época do futebol arte e dos esmerados jogos de botão, no qual eu era bem razoável. Época da ditadura também, que eu não podia compreender porque tudo em casa chegava filtrado por meu pai militar e por minha formação clássica e apolítica. Lia poetas simbolistas e nenhum modernista. O mais próximo eram as odes de Ricardo Reis. Tudo parecia exemplar e olímpico no colégio, até no hino que tínhamos de cantar nas cerimônias, algo como: “tu meu Culto à Ciencia és orgulho dessa moça falange estudiosa a teus pés minhas flores debulho tradição de Campinas gloriosa tu meu Culto á Ciencia és orgulho ontem hoje no tempo que passa só tens sido um brasão de renome na cultura geral de uma raça!”. Não é espantoso?   Mas dois fatos abriram meu olho para o que havia atrás do pano de cena. Uma foi o assassinato de um zelador, muito querido por todos, pelo marido de uma mulher que o visitava no colégio à noite. Foi difícil entender o que havia acontecido com tanta desinformação no ar, mas li o Correio Popular e entendi o drama. Outro foi o assassinato da professora de filosofia Margot Proença por seu marido, alto funcionário da justiça, com muitas facadas pelas costas, por haver descoberto uma traição. Esses acontecimentos foram o fim de nossa inocência ridícula. Percebi que era hora de ler Nelson Rodrigues e atualizar minha visão de mundo.


                                                    Igor Zanoni
                                                          

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Fazer o bem e o mal

 
Pelo menos dentro de certos limites, fazer o bem ou o mal me parece uma relação de colaboração. Muitos grandes personagens característicos por sua bondade, como o Dalai Lama, são vistos como perigosos, digamos pelo governo chinês e pelos cristãos que não admitem contato com sua forma de religiosidade. Também há pessoas que são amadas, mesmo não sendo exatamente um primor tradicional de amor, mas transmitem um senso de liberdade, de viver como quiser, mesmo que esta seja uma imagem bem elaborada. Penso em ídolos do pop ou do rock. Outras pessoas nos fazem sentir fazendo coisas que elas fazem, são próteses nossas, como os jogadores de nosso time, ainda que cobremos muito o time não vai bem ou um deles gosta de ir a festas mais do que se esperaria de um atleta. Há pessoas para quem basta uma oração á Nossa Senhora para se sentirem confortadas e renovadas e há quem não tolere, como vi certo teólogo escrever, a “mariolatria”. Há um dito popular assim: “mesmo Jesus não agradou a todos”. É claro que não se pode comparar uma vida dedicada à compaixão e ao ensino como o Dalai Lama com muitos que fazem coisas ótimas mas de outra índole ou sem tanta perseverança. Poucos não tremem diante da morte, mas muitos não tremem, se isso for o correto a seu ver. Mas sou um pouco cético quanto a  agradar ou ajudar as pessoas a menos que isso seja um pacto bem definido. Um amigo meu, mais velho, lembrava-se do seu pai dizendo que batia nos filhos e era muito autoritário, mas que mesmo assim, “gostava” deles. Esse amor não satisfez ninguém. Mas há padrões de amor. Certas épocas e lugares toleram ou incitam alguns e limitam ou proíbem outros. Por isso fazer o bem é maior do que nós, a menos que tenhamos certa luz interior que outro não possa apagar, e na qual creiamos por algum motivo especial.


                                          Igor Zanoni        

Dominadores

 
É difícil lidar com pessoas com personalidade muito forte. Não consigo nem entender qual é o segredo delas, pois não é em grande parte das vezes nada material, apenas uma posição que conseguem em um ambiente como o trabalho ou a família que curva todos ao redor como Einstein curvou o espaço e o tempo. Seu rosto já denuncia o que não podemos esperar delas, intimidade, proximidade, carinho ou mesmo simplicidade no trato. Seus olhos parecem estar por toda parte, às vezes não parecem saber sequer o que querem ou como conseguir, mas criam em torno de si uma aura de força e intimidação deixando todos em volta suspensos em suas palavras. Muitas vezes são arrogantes ou mesmo más, e nem por isso podemos dizer nada contra. Não sabem o que querem, não conseguem cumplicidade e todos sentem alívio quando não estão presentes. Mas mesmo assim se sabe: isto posso ou não fazer. Elas têm o segredo da dominação, mas nem por isso se tornam menos ridículas. Apenas são temidas, como Nabucodonosor devia ser temido.

                                           Igor Zanoni 

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Anacronismo

 
Caio Prado falava dos vários ritmos nos quais a produção material e as formas de sociabilidade ocorriam no Brasil, ritmos que, manifestando-se simultaneamente, pertenciam a origens diversas, e que não devia espantar o entrelaçamento do arcaico e do novo, pois essa é a característica da lenta gestação de uma nação dependente e periférica nos quadros da modernidade avassaladora do centro. Braudel falava também dos vários ritmos da história, e quando visitava uma grande cidade não necessariamente ia a seus museus e monumentos, mas aos açougues, ver como cortavam a carne. Há pouco se falava do fim da história, e o triunfo da eficiência dos mercados. Há já alguns anos se proclamava essa utopia do indivíduo afinal conquistada, a vitória final de certos aspectos do mundo moderno, nas entranhas do utilitarismo e da liberdade nele entranhada, liberdade do prisioneiro no Panopticon de
Bentham, no qual os presos assimilavam a sua vigilância como um dado de sua moral.
Essa visão positivista do novo abstrai a revisão súbita do sonho, a ressurreição dos seres em barricadas e a necessidade de contê-los para que dívidas sejam pagas, a propriedade mostre bem quais são os seus direitos. Eis de repente em que consistem os interiores do presente, eis a civilização, a democracia, finalmente mostradas, como há algum tempo não se via no centro, sem seus adereços de desejo disponível a baixo custo. No País, Caio Prado volta a se atualizar, reféns que somos da mídia e do sistema financeiro, ao mesmo tempo em que a corrupção subitamente é descoberta e tem um nome, o da esquerda com seus supostos mitos de justiça social, e que precisa ser imobilizada, amordaçada, para que o tempo seja sempre o do anacronismo e do adiamento indefinido de toda solidariedade enraizada na cultura comum.

                         Igor Zanoni

                                                

Medo

 
Uma dessas noites de sexta feira, depois das aulas,  passei na Praça Santos Andrade diante do Teatro Guaíra. O trecho em frente ao teatro estava fechado, havia atores vestidos de palhaços e mímicos, uma banda tocava uma musica brechtiana entre jazz e circo,  pessoas se juntavam ,jovens brincavam de bola e outros chegavam para curtir a noite. Era uma versão curitibana da Virada Cultural que houve em Sampa, mais comportada mas prestes a se tornar qualquer coisa. Hesitei entre ficar ali e sir logo. Eu, tímido, intimidado pelos desvarios do hoje, não pude deixar de me sentir como o Lobo da Estepe, maduro e enlouquecido achando seu teatro mágico. Depois achei que não valia a pena passar a noite gelada para ver o que acontecia comigo. Conformei-me em ser em Curitiba esquivo e pensativo, quase sem lugar para mais. Tive também medo, pois estava sozinho. Nós envelhecemos e nossa alma conosco. No alvoroço do trânsito tomei um ônibus.

                                       Igor Zanoni  

domingo, 13 de novembro de 2011

Primavera


Primavera

quando as palavras se desatam
como um coração que dispara
há uma chance de a verdade
vir à tona
não como uma verdade eterna
inesquecível e imutável
mas seu reflexo durará toda a vida
como uma luz primaveril

                                      Igor Zanoni

Jânio

 
vivendo com um pai conservador
e uma mãe subjugada
acabei comprando o lado errado
de muitas brigas
torci por Joe Fraser contra Cassius Clay
dei ouro para o bem do Brasil
e não entendi a princípio o ano de 1968
graças á mamãe entretanto e seu senso estético
vi muito na tevê o programa da Maysa
assisti os filmes de Rommy Schneider
Audrey Hepburn e Shirley MacLaine
também distribuímos no bairro
vassourinhas do Jânio
vivi esta duplicidade sem angústia
mas hoje gostaria de ter sido
mais informado
ora eu era só um adolescente
na pacata Campinas de então
não poderia ter feito muito melhor
mesmo com uma mãe sensacional

                                                Igor Zanoni

sábado, 12 de novembro de 2011

Cantinho


1
quando afinal eu tiver o meu
próprio cantinho
arrumarei as coisas uma ao lado da outra
na sua ordem natural e correta
assim será fácil encontra-las
e mais do que isso compreende-las

2
como tantas pessoas eu também
possuo uma pequena biblioteca
mas todos os seus volumes
contam a mesma história
e nunca sei se estou lendo
um episódio mais remoto
ou mais tardio
e se isso faz diferença

                                                  Igor Zanoni

Herói

 
quando se ouve um governante
tem-se a impressão de que ele
faz sempre o melhor por nós
de que as coisas estão muito melhor
do que estavam antes dele
e de que temos de agradecer
a providência que nos manda
um homem tão providencial
ficamos sabemos das graves dificuldades
que ele enfrenta com bravura
maior que a de Erroll Flynn
nem ficamos sabendo mesmo
de tais dificuldades não fosse a vida
em que consistem qual é o jogo
por trás dos cenários
mas da sua bravura não duvidamos
e respiramos com alívio
quando ele nos sorri
e entendemos que este é um mundo
em que o sorriso é possível
e a forma natural de expressar
o que deve ir dentro de nossa alma

                                           Igor Zanoni

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Freud


Freud


muitos se perguntam por que Freud
é odiado por tantos
na minha opinião ele foi o primeiro a dizer
como doutor e não como nós à boca pequena
que o amor cria mais problemas
do que os que resolve
entretanto receitou a todos os amor
para o grande problema humano
que é sentir-se plenamente vivo
Jung ao contrário buscou o sentido da vida
descobriu mitos arquetípicos
o inconsciente coletivo
tudo muito bonito e espiritual
como bom alemão idealista
que sorte Freud viver na alegre Viena!


                                              Igor Zanoni

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Perversões


os ditos baixos apetites
carnais sensuais
o sexo o desejo o amor
sensações inferiores que criam laços
e carma
e são espiritualizados pela imagem da díade
que se bifurca em macho e fêmea
um em busca do outro
recuperando a unidade primordial
do ser do cosmo
a figura santificada da mãe
do pai cujo nome não se pronuncia
a todas essas referencias místicas
para refrear o bicho que em nós subsiste
diga ave! em bom latim
e siga em frente
nem santo nem pecador
procure não magoar ninguém
com seu amor
o que passar disso já não é amor  
é tolo escrúpulo
mitos da época em que a galinha
tinha dentes
da época em que se podia cozinhar
uma galinha verdadeira
mas hoje em estilo Raul Seixas
a verdade é você

                                                   Igor Zanoni

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Equilíbrio distante


uma pessoa importa muito às vezes
outras vezes quase nada
vivemos nos aproximando e afastando
para conseguir a melhor perspectiva
não tanto dela mas de nós mesmos
odiamos depender de uma pessoa
quase sempre é difícil saber o que pensar
o que aconteceu
se alguma coisa poderia ter sido diferente
e assim vamos meio soltos
para recuperar o equilíbrio
o equilíbrio distante da canção
mas sempre estamos entre as pessoas
flutuando nas suas nossas fantasias
isso parece meio utilitário
mas só um monge vive só
mesmo assim diante do seu santo
da sua vela
pelo menos diante de seu coração
quando consegue quietude
para perceber a paz no mundo
a paz em nós
embora ela possa de repente
se quebrar e se quebrar
não tem importância
é assim mesmo

                                                         Igor Zanoni

Kléber


quando os jogadores jogavam
por amor ao clube
se o resultado era bom a diretoria
descia ao vestiário
o presidente agradecia aos outros mandatários
e os atletas felizes ganhavam o seu bicho
se perdiam ficavam sem o reforço
para passar o mês
os vestiários ficavam vazios
ninguém dava tapinha nas costas
de ninguém
quantos jogadores iam para o campo depois
de mais uma infiltração no joelho
quantos arrebentavam seu coração?
hoje que os jogadores vem e vão
quando podem ou tem sorte
pela melhor proposta
sobem e descem nas séries do campeonato brasileiro
quem não torceu um dia
por todos tantos deles
Serginho Marcelinho Paraíba Fábio Júnior
quem ajuda a lembrar?
quantos vão para a Europa um dia e voltam
um mês depois como que tomados
de um choque emocional
reconquistando aos poucos sua habilidade
sua força
ou sua tesão pelo nobre esporte bretão?

                                                Igor Zanoni

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Celular


você não está em maior
contato com o mundo que antes
esta é apenas uma sensação
que o celular provoca
não é você que usa o celular
mas ele que o usa
multiplicando os impulsos
para conversar sobre qualquer coisa
banalidades do dia
futilidades que crescem
com a possibilidade de tirar flashes
ou gravar canções do momento
o celular apenas inventa
outros momentos descartáveis
e degradáveis imediatas
para nossa alegria inventou-se
um meio a mais de não nos sentirmos sós
depois de aturdidos
por chamadas que não param
do namorado do colega
da mãe do irmão
já nem colocamos o celular no bolso
mas o conservamos na mão
para melhor atende-lo

                                        Igor Zanoni

domingo, 6 de novembro de 2011

Drummond

 
o poeta trouxe os pesares e os pensares
do homem palavra em desuso
que alugava um quarto e ouvia
a noite a rua a água entrando forte na caixa
leu para nós suas palavras
disse de seu amor e de seu dia que inquieto
fazia-se no país que sonhava
não sem política presos oligarquias
mas aqui e ali Oscar Murilo Mendes  Bandeira
Gustavo Capanema
e andava de bonde como o homem da rua
falou mesmo de uma rua que com seu olho
espiava os transeuntes
nele a poesia encarnou o anjo esquerdo
duro como ferro que fazia a riqueza de Minas
e também a riqueza das coisas que estão
além das palavras e doem
para nós trouxe seu baú
mortos noivas retratos Josés a infância
difícil falar da casa paterna
da qual não tinha saudades
difícil falar de si de quem tampouco se é saudoso
mas incessante presente
entre seus bens a pedra em seu caminho
e a pergunta: então, para onde?
porque podia-se ainda perguntar
e tratar de responder

                                                               Igor Zanoni

Avelã



poucas palavras são tão gratas
quanto avelã
ela lembra as comovidas ceias de Natal
com seus quebra nozes
e os avos de visita
a umidade do quintais
sob os caramanchões de bucha
maracujá e de avencas
também me ocorre a lã macia
dos casaquinhos de bebê
aveludada e velada
doce língua tão portuguesa


                                                Igor Zanoni

Vasta solidão


Curitiba tem como maior representante
da sua fauna miúda a aranha marrom
fico horas no quarto e nenhuma lagartixa
sobe pelas paredes
às vezes uma pequenina
mal desenvolvida talvez desnutrida
tesourinhas também não há aqui
vasculhando as roupas do armário
junto com as traças
nunca vi nesta cidade muitos gatos
cachorros há muitos
atropelados pelos velocistas motorizados
junto com os motoboys
e os ratos esses sim roliços e férteis
mas não as ratazanas de meio metro
que vi em Campinas
o clima à medida que se desce para o sul
vai ficando inóspito
poucas árvores frutíferas
poucas pessoas sorridentes
a vida apressada e muito crak
entre os amigos do ócio criativo
os terrenos subindo de preço
comem os campinhos de futebol
as ruas são um perigo para as crianças
meu filho foi andar de skate
e um homem apontou uma espingarda
isso é terra de Marlboro
uma vasta solidão

                                                             Igor Zanoni

sábado, 5 de novembro de 2011

Perguntas


é sempre difícil saber
o que fizemos
o que faremos
ou o que deveríamos ter feito
precisamos perguntar ás pessoas:
e você, o que pensa?
terei conseguido isto ou aquilo?
e para nós; nosso coração
foi bastante grande?
para muitos parecem perguntas ociosas
mas um homem honesto
está sempre pronto a descobrir
a verdade
e a pedir perdão
a verdade contudo estará com os outros?
onde está a verdade?
já não nos humilhamos demais
fazendo o que conseguimos
quem sabe das nossas noites
dos nossos sonhos?
mas alguém que sofre
é por isto considerado melhor do que é?
e quem decide isto?

                                              Igor Zanoni

                                            

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Notas de inverno

Notas de inverno

rivotrilírico poeta
longe dos rasgos numinosos
dos gênios de Schopenhauer
é teu esse silêncio incômodo
esse descobrir exasperado
o interior que não se contém
antes das belas carnes de Rubens
esse pensar que nenhuma regra contém
exceto a da origem incontornável
seu verso quer ser um radical
pensar com Dostoiévski
a terra o estranho o futuro
o compulsivo destino

                                                Igor Zanoni

Manifesto



nós, serenos usuários do Rivotril,
alívio seguro de nossa inquietude
guardião do nosso sono
protetor do nosso humor
declaramos sórdido seu uso
concomitante com o uísque
uma abusiva e lesiva mácula
no nosso conceito
em um país onde os homens se julgam
em plena terra de Marlboro
e desde já proscrevemos
a tola intoxicação do cantor Luciano
que deu vexame desnecessário
nesta cidade em outubro
proscrevemos suas dores de cotovelo
sua incompetência para lidar
com seus problemas emocionais
apagando sua consciência
ao invés de aquietá-la
e a partir daí usar seus dons
para sublimá-los entende-los
e juntar-se a toda a legião dos rivotrílicos
entre outras legiões de aflitos
a fim de vidar a vida difícil mas possível
dos deserdados do espírito prático
que construiu esse mundo no qual
somos obrigados a viver
e aprendemos a apreciar
com o coração e meio comprimido
nas mãos

                                                     Igor Zanoni

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Corpo



o corpo é o último limite
o mais à mão
claro refúgio na aflição
fonte dos prazeres velados
pela nossa conflituada liberdade
quando os olhos se turvam
e esgotamos as soluções
eis uma taça de vinho
eis um novo penteado
um sex appeal
uma canção que nos lembra
o que sonhamos e inventamos
cofre encalacrado dessa dor
todo se turva por essa desalmada
ânsia e necessidade de certo status
mas o que negamos a todos
em seu íntimo se abre
e floresce na úmida madrugada

                              Igor Zanoni

quarta-feira, 2 de novembro de 2011



todos são seu próprio louco
todos seu ser analfabeto
bem como ilustre letrado
fique para todos clara
a absoluta comunidade dos seres
que evolvem do pó ao pó

                                                 Igor Zanoni

Schopenhauer



Schopenhauer viu a essência do mundo
na intuição dos gênios
expressa em suas obras de arte
para estes não haveria progresso e declínio
a dura aprendizagem
nunca o erro
suas vistas estavam postas na coisa em si
no mundo das ideias platônico
não sofreriam o duro evolver do mundo
mas diante dos portais do eterno
sorririam com seus dentes
de Clark Kent

                                                   Igor Zanoni 

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Trato

Trato


Colega meu por décadas, tive um amigo professor que em suas discussões sobre a filosofia marxista não tolerava o uso do termo espírito, pois este não se referiria a nada efetivo. Muitas pessoas partidárias da ciência, vamos dizer assim, continuam militantes do materialismo filosófico e do ateísmo militante. O biólogo Richard Dawkins é talvez o mais famoso, pois precisa se opor à sedutora e conservadora teoria do design inteligente. Mas ele precisava ver os homens como donos de genes do egoísmo ou ver deus como uma pura falsidade ou, como fez de certa forma Freud, uma ilusão? Lendo A Vida do espírito, de Hanna Arendt, descobri a distinção entre conceitos ligados à ciência e à argumentação racional e lógica, e outros ligados à confecção de sentido para nossas vidas. Para mim, essa distinção torna palavras como Deus ou espírito vivas e necessárias, e assim para muitos outros, embora não todos, é claro. Eu nasci e me criei em uma família cristã bastante liberal, e cedo conheci o catolicismo, a igreja batista, os centros kardecistas onde meu pai prestava ajuda a crianças mantidas em lares para órfãos . conheci e brinquei com essas crianças, assim como apanhei de crucifixo e aprendi a ler em uma missão batista norte-americana, segunda a qual Abraham era um homem vindo de Ur dos Caldwels para a Tera Prometida.  O nome de meu pai era Siddhartha e meu avô paterno era budista. Meu pai era um pouco de tudo. Talvez como eu, embora fosse militar e detestasse a dialética, o que não ocorre comigo, muito ao contrário. Sou muito solto para dizer que sou isso ou aquilo. Por enquanto prefiro apenas me manter vivo e pensar, além de ser dono de uma razão que tem suas próprias razões. Na juventude experimentei LSD para ver Deus, e realmente vi, mas não era necessário. Quando o tumulto do mundo se aquieta em volta, Ele está meu coração. E quando me perco Ele me encontra. Como Simone Weill, decidi preocupar-me com Deus enquanto Ele se preocupa comigo. Esse é meu trato.


                                                Igor Zanoni