Mulher de soldado
Nossa casa em Cáceres, no início dos anos sessenta,
ficava em uma rua estreita, pela qual se passava a pé ou bicicleta, pois a
cidade só tinha um carro que nunca vi circulando. As casas ali tinham uma
pequena calçada, onde á noite se punham cadeiras para conversar e espantar o
calor. Havia um jardim interior, perto do poço, face á cozinha e à copa abertas
para ele, também para diminuir o calor úmido do Pantanal. Próximo acabava a
rua, em uma estrada sem beiradas na qual cresciam gigantescos tamarineiros,
mangueiras de todos os tipos e palmeiras de bocaiuva. Ali ficava o Hospital São
Luís, onde meu pai, que servia no velho II Batalhão de Fronteira, atendia
mordidos de cobra. Em frente à nossa casa morava um soldado, que servia com
papai, com sua mulher amiga de mamãe e que tinha em seus dias vazios a
companhia de um quati preso por uma comprida corrente em uma árvore no tal
jardim interior das casas dali como já falei. Essa moça um dia me surpreendeu
com a notícia de que sua casa era tão boa que tinha bidet. Eu ignorava o que
era isso, e mamãe não quis me explicar. Ficou o dito pelo não dito, mas nem
tanto. O final da história foi a descoberta pela moça de que o soldado a traía
com as que frequentavam o quartel ou por ali perto esperavam os soldados. Sua
vingança foi horrível. Ateou fogo no vestido e no corpo, embebidos em
querosene. Nunca mais soube dela, nem do soldado, e como sempre ninguém me
explicou nada. As crianças precisam ser muito espertas, pois caso contrário não
entenderiam da missa a metade. Minha sagacidade percebeu que mulher de soldado nem
sempre é feliz, mesmo tendo uma bela casa com bidet e quati.
Igor Zanoni
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