O Nordeste produz periodicamente Antônio Conselheiros, isto
é, profetas que de uma secreta e alta investidura fazem a crítica do momento
presente e anunciam novos tempos. A música popular brasileira não ficaria sem
eles, como Caetano Veloso, Zé Ramalho e Tom Zé. Poucos, porém, com a coerência
de uma vida dedicada a um rock messiânico como Raul Seixas. Suas ideias são as
de sua época, e se encontram também em John Lennon, George Harrison, Mahavishnu
Orchestra e assim por diante. Em particular, destaco a ideia de que a interação
humana e com a natureza envolve um “segredo” não acessível à ideologia da
sociedade industrial (faço eco a Marcuse, um pouco sério e um pouco jocoso),
mas que pode ser compreendido através da prática da introspecção mística e transformado
por comportamentos concretos alternativos. Por isso anuncia a liberdade sexual,
por exemplo, e insiste na urgência de sua mensagem, como um evangelista,
avisando a partida imediata do trem das sete horas que vai partir para a terra
imaginária do “sertão”. Ou fala dos “sujeitos normais” que duramente lutam para
pertencer a uma sociedade que requer deles sacrifícios repetindo o status quo e
a falta de liberdade. Para estes ele canta sua “gita”, ecoando a epopeia
indiana base da ioga clássica, demarcando que sua mística também não é a dessa
sociedade individualista e competitiva. Sua ideia principal talvez seja a de
que se deve construir um paraíso na terra, no qual as pessoas possam livremente
seguir sua vontade sem romper a tessitura social. Disse isto e um pouco mais em
um rock nacional autêntico, não copiado de modinhas românticas do início dos
Beatles e longe da ingenuidade e fútil aparência de Roberto Carlos, dissidente
falso de um sistema industrial recriado pela ditadura militar. Caiu amplamente
no gosto popular, até hoje suas músicas sabem de cor os violeiros. Por uma questão
de classe, a classe média alta jamais gostou de Raul. Ele pertence a raízes
populares demais para isso. Ele queria transformar a si e ao mundo. Em uma bela
canção, se diz o carpinteiro do universo e de si mesmo, síntese de uma obra
dedicada á coerência e -por que não?- à esperança e à tragédia pessoal.
Igor Zanoni
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