terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Ensaio sobre a cegueira


Impressiona desde já no livro de Saramago a contenção e precisão da linguagem, sobre uma história longa, cujos lances dramáticos nos avassalam, sem perda de vigor e de intenção quanto ao que se deseja dizer. A parábola é, contudo, de fácil compreensão: em um mundo transtornado pela cegueira, já não podem vigorar os antigos e bons velhos usos e costumes, e há uma perda de si. Precisamente daí, dessa dupla escuridão, pode brotar alianças e condutas que levam a descobrir, no fundo obscuro de cada um, a própria identidade e liberdade. Quando se chega a esse clímax, a cegueira de cada um é superada, e se pode ver novamente em um mundo que é necessário reconstruir, mas cujos materiais a rudeza da experiência limite atravessada demonstrou com uma precisão geométrica. A reconstrução do ver passa todavia por amargas relações com os outros, que nos colocam e se colocam de forma trágica embora implícita nos códigos da cegueira, aquela em que nós vivemos, leitores, personagens, autor, os que não cabem nessa classificação. Embora se conheça o viés marxista de Saramago, a parábola exige que não se dê nomes precisos ao caos relacional que provoca a epidemia de cegueira. Crise econômica, instabilidade crônica do capitalismo nos últimos cinquenta anos,  o dinheiro, a propriedade privada, o egoísmo que move a política e a economia, a crescente insegurança em vários níveis. Não basta, não é um livro didático centrado em crítica da economia política.  Trata-se antes de um agravamento do mal estar nas sociedades modernas, imbricado é claro no seu funcionamento material, mas que vai além dele. A cegueira é uma analogia com a obscura visão que podemos ter do mundo, e o silêncio que carregamos sobre nós mesmos, e logo sobre nosso lugar nesse mundo.


                                                Igor Zanoni

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