quarta-feira, 29 de abril de 2015

Gracinha



ele era uma graça
uma amena companhia
ninguém tem mais aquele sorriso
nem usa aquela elegância
tão criativa despojada e requintada
o cabelo enrolado sobre a jaqueta
com o cacique cheyenne
quase não dizia nada nem sabia
na sua porta estava rabiscado
hay que contener-se em los gestos
las palabras de todos los dias
e ia para a cozinha fazer um rango
naquele tempo todos amávamos muito Jesus
tão parecido conosco


                                                                    Igor Zanoni



agarro o fio de minha alma
sobre um vazio
de tudo que não sei
mas temi
para ninguém senão ela ouvir
suplico balance devagar
estou ficou enjoado
estou tonto
vamos parar
não sei como
vamos parar com isso

                                                                  Igor Zanoni

O jogo das contas de vidro


guardo de minha juventude ( essa compilação infinda e bem-vinda de fragmentos ) uma passagem no início de Rayuela na qual Cortázar afirma que não existe uma entidade que possa ser chamada confusão, mas antes pessoas confusas. meditei nesta como em outras passagens de minhas leituras insistentes e tantas vezes pouco claras, mas hoje penso que é um bom ponto de partida para a lucidez diária decidir que não há mais nenhuma possibilidade de achar que o mundo, a vida, ou seja lá o que for nesse sentido abrangente que inclui excluindo e vice versa, seja uma confusão. nada mais claro que tudo isso, nada melhor que deixar tudo nos mais limpos pratos. e que os confusos estão apenas perdendo tempo pois devem estar apostando em muitas verdades e opiniões, partidos e totalidades, nas quais um cego em meio ao tiroteio jamais apostaria. ninguém como mais claridade existencial que um cego em meio ao tiroteio, ninguém com mais possibilidade de saber onde exatamente se encontra, qual é seu sitz in lebem, para usar esta bela expressão pertencente a outro dos meus fragmentos, que aqui se liga ao antecedente na minha obra de leitor inquieto.

                                                           Igor Zanoni

domingo, 26 de abril de 2015

Jerusalém



na barra deste dia
levanto-me em minha tenda
perguntando aos que seguem em volta
o caminho para Jerusalém
e se ela está ainda distante
todos são caminhantes
e têm muitas perguntas
mas não sabem se é possível
chegar a este ou aquele lugar
e mesmo se há Jerusalém
mesmo assim confiam
em um ou outro mapa
que desta ou de outra maneira
encontraram aqui ou ali
com mais ou menos perguntas
às quais respondem de um modo seu
e que não podem ser as perguntas de outro
muito menos as suas respostas
muitos sequer desejam que o outro encontre
a cidade de seus pais onde querem um dia
ao menos morrer
pois se esta cidade existe talvez nos seus pensamentos
seu próprio íntimo destino se mostre equívoco
e sua vida se prove falsa
todos querem sair daqui ou dali
de tantos canais que há em Babilônia
 guiam-se por chamados que não são claros
e acontecimentos inesperados
e não tecemos senão marcas em um caminho
eu busco Jerusalém a sonhada
busco à noite estes sonhos
nos quais ela surge nebulosa como uma mulher muito amada
mas meu sono é breve e logo me ergo
mal surge a barra do dia
espero contra a esperança
que se não eu
claro que não eu mesmo
meu filho meu neto meu amigo quem sabe?
encontre um caminho para Jerusalém


                                                                       Igor Zanoni


sexta-feira, 24 de abril de 2015

Rolling Stones

1
Jesus disse: “Bem aventurados os famintos
porque serão saciados”
Mas penso que nem todos podem ser saciados
porque mesmo famintos
não sabem de quê têm fome

2
Mick Jagger nunca será velho
mas sempre um rolling stone
eu mesmo serei sempre um rolling stone


                                                                                Igor Zanoni