Nossa memória é construída pela afeição mais que por
eventos positivos, pelo tempo efetivo vivido de um ou outro modo, e
magnificamos fragmentos de nossa vida até podermos para nós mesmos chamá-la
vida e sentir que ela valeu a pena ou pelo menos valeu o que pensamos. Quando nos
vem à cabeça a adolescência, esse período tão significativo e cálido, mesmo
quando difícil e sofrido, o importante é o tempo passado junto com os que
amamos e o que fizemos junto deles, mesmo que para outros tudo pareça uma
pequena fantasia. Lembro por exemplo de férias no Rocha, na casa de minha madrinha,
em um pequeno condomínio, de tardes jogando bola com primos em um terreno ao
lado do Laboratório Silva Araújo, e de ir com meu tio e meus primos ao Recreio
dos Bandeirantes no final de semana. Meu tio jogava bem futebol de areia, para
mim muito cansativo, torcia pelo América, o que é uma forma de protesto social,
era bancário e trabalhava também em um laboratório. Minha madrinha era muito
bonita, era professora e no quarto em que eu dormia com meus dois primos ela guardava
algumas estantes de livros com muitas traduções de clássicos. Como aprendi a
ler muito cedo, passava bom tempo lendo aquela biblioteca. Ali descobri Henri
James, por exemplo, do qual li A Herdeira. Meu tio era gentil, mas parco em
palavras, fumava muito e tinha úlcera. Minha madrinha fazia para ele sopa de
aletria com leite, suponho que fosse boa para alimentá-lo nas suas condições de
saúde. Amo estas poucas férias, não foram férias na Disneylândia nem na
Austrália, mas eu amava todos eles, nem sei o motivo, o motivo não existe ou
não importa, mas eu me sentia muito bem e me divertia.
Igor Zanoni
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