O golpe inexplicável
Minha primeira lembrança de eleições foi o embate Janio e Marechal Lott. Minha mãe, muito carioca e brasileira, distribuiu comigo no Castelo muitos e muitos broches com a vassourinha de Jânio que iria varrer a corrupção do País. Não sei a posição, sempre discreta, de meu pai, à época tenente do Exército, do Corpo de Saúde. Aliás, nunca discuti política com ele, exceto muito mais tarde, na faculdade, quando depois de ouvi-lo falar sobre meus amigos,que ele julgava comunistas, chamei-o de “reacionário”. Lembro dos preparativos para o golpe de 64 acompanhando papai aqui e ali e pegando no ar o que se dizia. Não entendi o que houve então, eu era um jovem adolescente preocupado em jogar futebol e ler romances de todos os tipos, que eu adorava. Comecei a perceber o que havia através do meu amigo Márcio, católico reformista, de boa formação intelectual e familiar. Com ele passeei de bonde, que percorria a rua onde ficava o nosso colégio Culto à Ciência, então o melhor de Campinas , em maio de 68. Comecei a gostar naturalmente de Chico Buarque, Caetano e de repente me vi outro. O que a cultura popular fazia com a gente! Mas o que eu quero dizer é que nunca entendi o golpe de 64. Lendo na faculdade e depois sobre o governo Jânio, muito curto, achei-o um homem estabanado, mas inteligente, com algumas boas posições, nada que justificasse sua renúncia. O seu sucessor, Jango, também fez um governo moderadamente reformista, em meio a uma imensa crise econômica e política. Não houve nunca na época qualquer ameaça comunista. o que a esquerda e os liberais queriam era um capitalista mais humano, mais inclusivo. Lembro de Márcio me explicar que o temível Celso Furtado apenas era um partidário de melhor distribuição de renda e de uma política reformista para o Nordeste. Não entendo ainda o golpe, exceto como o mais puro conservadorismo de que ainda padece o Brasil. Quanto mais penso naqueles dias, menos entendo, e mais sinto medo, ainda hoje, do que a política representa no Brasil.
Igor Zanoni
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