quinta-feira, 10 de julho de 2014

Comunhão


ele chegou, como tantos menos afortunados, há muito em Curitiba, do interior do estado, expulsos todos pela ambígua “modernização” do campo, de seu meio material e cultural e, portanto, afetivo. expulsão realizada por meios econômicos bem como por grilagem, violência, poder político formal e ligações familiares no interior desse poder. suas relações de parentesco, seu trabalho, suas convicções, sua possibilidade de não se sentir sozinho rapidamente foram atingidos. é verdade que muitas tentativas fez para reorganizar sua vida, e em parte foi bem sucedido, mas sua mente e seu coração jamais puderam ter chance real. ao envelhecer contava com amigos como ele, incrustados em casas construídas aos poucos ou pagas imperdoavelmente com usura descabida no sistema financeiro da habitação. contava ainda com as formas da deferência concedida aos velhos: aperto de mão dos filhos, pedidos de bênção, talvez beijo algum. a maior fatia de liberdade que pôde alcançar nessa época foi um benefício de um salário mínimo concedido a idosos, que complementou com programas de televisão onde padres rezam o terço e benzem pela tela a água que toma durante o dia. além disso, tem o prazer de jogar no bicho e de andar para gastar a energia que ainda tem e para relaxar a mente. um neto inesperado deu-lhe gás emocional, mas hoje está crescido e com sua própria direção. nunca entendi como alguém pode ser tão só. talvez consiga ser tão só porque não refletiu bem sobre o que houve todo esse tempo, porque acredita na Nossa Senhora Aparecida e porque não pôde de algum modo estar aqui, mas em que lugar ele está?


                                                                  Igor Zanoni

                                                                    

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