sexta-feira, 18 de julho de 2014

Tiago Maximiliano Bevilácqua


O nome que dá título a esta breve memória é o de uma pessoa tão significativa na minha vida que posso dividir com ele meus acertos tardios e jamais meus deslizes e bobagens. Conheci Tiago como meu professor de Microeconomia no segundo ano da graduação em economia no antigo Departamento de Economia e Planejamento Econômico da Unicamp. Seu curso baseou-se em texto escrito por ele mesmo, longamente acompanhado por reflexões metodológicas e de valor. Uma de suas conclusões li mais tarde em pensadores como Feyerabend e Furtado, a fragilidade do conceito de ciência social, ou de ciência mais amplamente, vista como algo nascido independentemente de escolhas prévias e como  produtora de “realidade”. Num momento em que me propunha estudar por vocação e opção política, Tiago ensinou-me a duvidar dos que se propunham ser “intelectuais” e via o futuro de forma dramática, jamais redutível a previsões científicas ou a correções de rota. Não se dizia pessimista, antes se considerava otimista, mas havia compreendido o suficiente do mundo para pensar que o homem comum teria muita chance nele. Detestava particularmente a epígrafe dos Princípios de Economia de Marshall, “a natureza não realiza saltos”. Sua tese de doutorado, defendida após hesitações que eu não compreendia, era uma arguta crítica do pensamento de Fernand Braudel e de seu conceito de capitalismo, amplamente baseada em profundo conhecimento dos textos de Marx e de historiadores instigantes como Hobsbawm, do qual se conhecem em geral as suas “Eras...” e entrevistas e nada mais. Apanhou na defesa por “bater em monumento”, e depois me perguntou se eu havia aprendido que não se deve bater em monumentos. Tiago odiava o corporativismo e o comodismo. Culto e refinado, era um professor “esquisitão”, que fez coisas maravilhosas com seu espírito de amizade e associação, como trabalhar anos a fio e empenhar seu futuro financeiro criando uma máquina de cortar granito para um grupo de indústrias no Espírito Santo, uma vez que além de economista era excelente engenheiro elétrico. Digo era porque hoje se recolheu a uma bem-aventurada distância, com sua família de origem, suas filhas e amigos do Rio, onde nasceu. Sempre adorou amigos. Passava uma noite tomando vinho e enrolando cigarros de palha enquanto conversava. Certa vez, visitando a Festa de São Francisco no Largo da Ordem em Curitiba, tentou defender delicadamente algumas crianças de agressão policial. É claro que apanhou e foi preso, mas aproveitou a ocasião para conhecer muitos outros em igual condição, ignorados, tomando seus nomes, telefones e nomes de familiares. Voltando para São Paulo, deixou-me a tarefa de telefonar a todos estes.    


                                                        Igor Zanoni

Um comentário:

  1. Procuro notícias sobre Tiago. Poderia me ajudar ? Adriano Biava - biafeusp@usp.br

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