sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Tartaruga

 
para passear no bairro alto, seria ótimo poder contar com uma tartaruga, exemplo ancestral de paciência, ponderado vagar, silêncio e amor a uma vida longa e protegida. exemplo também do amigo calado idealizado por Drummond em um poema entre os muitos de que me lembro mal mas vividamente.  mas claro que não se pode achar nunca nenhuma. a prefeitura não conserta as calçadas do bairro, as que existem, e o trânsito é metropolitano, e ela não teria como habitar aqui entre nós. o jair césar, antigo chefe político no bairro, talvez a denunciasse em seu jornalzinho, e não se sabe o que pensariam os padres, mesmo nos novos tempos do buen vivir. mas o principal é que se sumisse uma delas os haitianos que vieram, num gesto tão caloroso como proclamar a república que horrorizou o império e varnhagen, morar em bairro tão inóspito, seriam acusados de furto ou algo pior. o manuel, que tem uma padaria na minha esquina, disse que precisava de um ajudante e pensou em contratar um haitiano mas desistiu porque, segundo dizem os curitibanos, eles são mortos de fome. em vez disso, contratou uma mocinha evangélica indicada pelo pastor da igreja mundial do poder de deus que fica entre meu condomínio e a padaria. uma mulata jovem e bonita, magrinha, quem sabe temerosa de uma autoridade como o pastor e menos dada a aventuras revolucionárias como comer.


                                                              Igor Zanoni

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