naqueles dias meu
pequeno universo partiu-se em cacos confusos, um caos que exigia uma nova
criação. eu sabia que, embora andando lento e cuidadoso, havia sob mim a calçada
frente à minha casa, mas já a calçada havia se tornado pedras que era preciso
examinar uma a uma, seu formato, cor, textura, a reflexão do sol, num fascínio
inesgotável. só assim podia reconstruir primeiro o conceito primordial de
pedra, ainda que isolada de outras pedras que há por todo o planeta, a pedra
que estava frente à minha casa. poder redescobrir um caminho para a esquina exigia
examinar outras pedras, da mesma forma, através de um método que eu não compreendia
mas vivia. assim procurava reconstruir minha percepção e juízo de experiências como
almoçar, ler um jornal, ficar acordado ou dormir, ou talvez fundá-las sobre
algo não dado e costumeiro, mas sobre um solo vital, fruto de uma paciente
contemplação. era impossível naqueles dias falar, decidir, atos comuns que se
transtornaram em inúmeras dificuldades impossíveis de dividir, ou perceber as
mais simples sobre as quais pudesse recomeçar o entendimento. chegou a mim a
percepção das bordas da minha vida, e a precisão de reconstrui-la sobre algo
com uma lógica pessoal, o meu Tao que não podia ser dito, mas era necessário
com paciência e infindo trabalho procurar ainda que a procura fosse cansativa e
obscura. lentamente passava o Bojador, além de toda minha dor. não tive nenhuma
escolha, e sei que o meu universo é frágil e pode de novo se partir e exigir de
mim viagens para as quais não estou de modo algum preparado, mas terei de
recomeçar.
Igor Zanoni