sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Cacos


naqueles dias meu pequeno universo partiu-se em cacos confusos, um caos que exigia uma nova criação. eu sabia que, embora andando lento e cuidadoso, havia sob mim a calçada frente à minha casa, mas já a calçada havia se tornado pedras que era preciso examinar uma a uma, seu formato, cor, textura, a reflexão do sol, num fascínio inesgotável. só assim podia reconstruir primeiro o conceito primordial de pedra, ainda que isolada de outras pedras que há por todo o planeta, a pedra que estava frente à minha casa. poder redescobrir um caminho para a esquina exigia examinar outras pedras, da mesma forma, através de um método que eu não compreendia mas vivia. assim procurava reconstruir minha percepção e juízo de experiências como almoçar, ler um jornal, ficar acordado ou dormir, ou talvez fundá-las sobre algo não dado e costumeiro, mas sobre um solo vital, fruto de uma paciente contemplação. era impossível naqueles dias falar, decidir, atos comuns que se transtornaram em inúmeras dificuldades impossíveis de dividir, ou perceber as mais simples sobre as quais pudesse recomeçar o entendimento. chegou a mim a percepção das bordas da minha vida, e a precisão de reconstrui-la sobre algo com uma lógica pessoal, o meu Tao que não podia ser dito, mas era necessário com paciência e infindo trabalho procurar ainda que a procura fosse cansativa e obscura. lentamente passava o Bojador, além de toda minha dor. não tive nenhuma escolha, e sei que o meu universo é frágil e pode de novo se partir e exigir de mim viagens para as quais não estou de modo algum preparado, mas terei de recomeçar.


                                                                              Igor Zanoni

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