Esta semana fui a
uma das minhas incansáveis consultas com meu psiquiatra. Ele não é daqueles que
atendem em dez minutos, com ele a conversa é longa. Numa certa altura da dita
conversa, ele lembrou que havia feito há
tempo um curso de psicanálise para atuar na área. Como a base da psicanálise é
filosófica, afirmou ( eu já fui ficando me sentindo estranho, pois Freud
conhecia poucos filósofos e não se baseava neles em seu trabalho ), havia lido
muito Kant por tratar da distinção entre fenômeno e coisa-em-si. A conclusão disto
foi que a psiquiatria cuida dos fenômenos, ou seja, dos sintomas que o médico
percebe ou dos quais é informado na clínica. Por outro lado, a psicanálise iria
mais fundo, à essência do que sofre dos sintomas. Ou seja, talvez quisesse
dizer, à coisa-em-si. Mas como em Kant a coisa-em-si, traduzindo, a essência, não
existe, a psicanálise não cura, nem a psiquiatria, que apenas faz com que as
pessoas tolerem seus problemas, por isso é uma prática médica conservadora. Depois
de apanhar uma receita ( eu já conheço os remédios e em geral peço os que quero
e conduzo a conversa para os sintomas convenientes), fiquei pensando se Kant
tem mesmo algo a ver com Freud. Por exemplo: não existem mais as histéricas que
Freud e seus seguidores ou antecessores como Charcot trataram, então há fenômenos
que desaparecem. Há ainda histéricas manifestando outros fenômenos? Então há
uma essência que subsiste sob outra forma? Ou não há nenhuma essência e os
sintomas não importam e não tem a ver com a psicanálise? Pessoalmente, acho que
não há uma essência humana, a personalidade das pessoas é formada em condições
sociais, materiais e históricas, enfim, que certamente mudam com o tempo. Assim
como os sintomas. Hoje em dia a psiquiatria é uma profissão médica muito
procurada e rendosa. Os laboratórios têm, por exemplo, muitos tipos de
antidepressivos, que têm efeitos muito diversos sobre o corpo de cada paciente.
Se algo acontece, e o paciente tem efeitos colaterais do medicamento, ou simplesmente
o medicamento não funciona, o médico pode trocar o medicamento, dando outro antidepressivo
ou combinando-o com outro para transtorno bipolar, com ansiolíticos etc. Aliás,
há diversos tipos de transtornos bipolares, depressões de vários tipos também.
Então dificilmente a psiquiatria cura algum sintoma, ou sequer sabe qual é o
sintoma a ser curado. Mas se alguém vai a um psiquiatra em dez minutos este traça
seu diagnóstico e dá uma receita, isso acontece com qualquer um. Absolutamente
todos têm algum sintoma, vamos dar remédios duvidosos a todo mundo? Já um
psicanalista te ouve pacientemente por muitas sessões, às vezes pela vida toda,
comenta sua fala e tenta levar você a compreender como você vê sua construção
emocional do que ocorre a partir da sua fala. Pode não curar, aliás, não há
nada a ser curado, mas leva você socraticamente a examinar sua vida. Não os
sintomas, mas a construção que você faz de como vive diversas situações que vão
aparecendo. E o psicanalista não analisa nada, ele vai se analisando como você,
para trocar informações muito pessoais aliás. Mas sobre tudo isto vou ter de
conversar com minha analista, meu problema é como deixar meus medicamentos, meia
boca como todos, e sair meio estranho por aí num mundo construído por certos
modelos em que tenho de sobreviver, sem ser demitido do trabalho, sem perder a
namorada, sem acabar com minha pequena poupança, etc. Por isso meu psiquiatra
disse que sua arte é conservadora, se ela não existisse o mundo teria de ser
mudado e os pobres de espírito teriam no mínimo mais opções sobre como viver, e
a psicanálise talvez fosse mais importante para muitos que a desprezam até por
falta de informação.
Igor Zanoni
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