quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Psiquiatra



Esta semana fui a uma das minhas incansáveis consultas com meu psiquiatra. Ele não é daqueles que atendem em dez minutos, com ele a conversa é longa. Numa certa altura da dita conversa, ele  lembrou que havia feito há tempo um curso de psicanálise para atuar na área. Como a base da psicanálise é filosófica, afirmou ( eu já fui ficando me sentindo estranho, pois Freud conhecia poucos filósofos e não se baseava neles em seu trabalho ), havia lido muito Kant por tratar da distinção entre fenômeno e coisa-em-si. A conclusão disto foi que a psiquiatria cuida dos fenômenos, ou seja, dos sintomas que o médico percebe ou dos quais é informado na clínica. Por outro lado, a psicanálise iria mais fundo, à essência do que sofre dos sintomas. Ou seja, talvez quisesse dizer, à coisa-em-si. Mas como em Kant a coisa-em-si, traduzindo, a essência, não existe, a psicanálise não cura, nem a psiquiatria, que apenas faz com que as pessoas tolerem seus problemas, por isso é uma prática médica conservadora. Depois de apanhar uma receita ( eu já conheço os remédios e em geral peço os que quero e conduzo a conversa para os sintomas convenientes), fiquei pensando se Kant tem mesmo algo a ver com Freud. Por exemplo: não existem mais as histéricas que Freud e seus seguidores ou antecessores como Charcot trataram, então há fenômenos que desaparecem. Há ainda histéricas manifestando outros fenômenos? Então há uma essência que subsiste sob outra forma? Ou não há nenhuma essência e os sintomas não importam e não tem a ver com a psicanálise? Pessoalmente, acho que não há uma essência humana, a personalidade das pessoas é formada em condições sociais, materiais e históricas, enfim, que certamente mudam com o tempo. Assim como os sintomas. Hoje em dia a psiquiatria é uma profissão médica muito procurada e rendosa. Os laboratórios têm, por exemplo, muitos tipos de antidepressivos, que têm efeitos muito diversos sobre o corpo de cada paciente. Se algo acontece, e o paciente tem efeitos colaterais do medicamento, ou simplesmente o medicamento não funciona, o médico pode trocar o medicamento, dando outro antidepressivo ou combinando-o com outro para transtorno bipolar, com ansiolíticos etc. Aliás, há diversos tipos de transtornos bipolares, depressões de vários tipos também. Então dificilmente a psiquiatria cura algum sintoma, ou sequer sabe qual é o sintoma a ser curado. Mas se alguém vai a um psiquiatra em dez minutos este traça seu diagnóstico e dá uma receita, isso acontece com qualquer um. Absolutamente todos têm algum sintoma, vamos dar remédios duvidosos a todo mundo? Já um psicanalista te ouve pacientemente por muitas sessões, às vezes pela vida toda, comenta sua fala e tenta levar você a compreender como você vê sua construção emocional do que ocorre a partir da sua fala. Pode não curar, aliás, não há nada a ser curado, mas leva você socraticamente a examinar sua vida. Não os sintomas, mas a construção que você faz de como vive diversas situações que vão aparecendo. E o psicanalista não analisa nada, ele vai se analisando como você, para trocar informações muito pessoais aliás. Mas sobre tudo isto vou ter de conversar com minha analista, meu problema é como deixar meus medicamentos, meia boca como todos, e sair meio estranho por aí num mundo construído por certos modelos em que tenho de sobreviver, sem ser demitido do trabalho, sem perder a namorada, sem acabar com minha pequena poupança, etc. Por isso meu psiquiatra disse que sua arte é conservadora, se ela não existisse o mundo teria de ser mudado e os pobres de espírito teriam no mínimo mais opções sobre como viver, e a psicanálise talvez fosse mais importante para muitos que a desprezam até por falta de informação.


                                            Igor Zanoni    

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