terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Preocupação


um dos vários tipos, entre engraçados e sem juízo, que toda cidade tem, era em Curitiba um homem alto e corpulento, talvez com uns quarenta anos quando o conheci e hoje com cerca de dez anos a mais. o dia todo batia ponto no calçadão da rua XV, no centro envelhecido onde o povão passa quase todo dia. calado andava de cima para baixo, e a cada cinco ou dez minutos dizia uma frase com algum sentido, mas não muito, com uma voz muito forte lembrando o martelar de uma araponga. não se comunicava com ninguém, pela aparência não era pobre nem rico, não recebia dinheiro e parecia não atentar em quase nada na rua. à tardinha sumia, tomando o ligeirinho Santa Felicidade-Bairro Alto. este último bairro era seu destino, descendo no terminal de ônibus. caminhava para  uma rua que nunca descobri qual fosse e nunca o vi por perto de minha casa, próxima do mesmo terminal. também no ônibus gritava suas frases, que soavam como uma advertência, e provavelmente eram, ainda que de sentido obscuro. passei um  tempo sem vê-lo, sumiu do centro e do ônibus, até certo dia, indo para a universidade onde leciono, redescobri-lo em um banco do mesmo ligeirinho. sóbrio, tranquilo, calado, o rosto relaxado, parou em algum ponto do caminho, sem seguir viagem até o centro. depois tornei a vê-lo muitas vezes, sempre sob a nova aparência e sempre no mesmo ônibus. minha reação não foi boa para mim, fiquei muito preocupado pensando na sua metamorfose. talvez estivesse medicado, ou frequentando uma clínica, não sei, mas ficaria mais satisfeito se ele continuasse nos seus antigos modos e nas suas intervenções no centro. mas não sei como se sente agora, como percebe sua nova vida, o que pensa em relação à antiga e de que modo o faz. talvez eu esteja me preocupando sem motivo, mas fiquei com a pulga atrás da orelha.

                                                         Igor Zanoni  

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