um dos vários
tipos, entre engraçados e sem juízo, que toda cidade tem, era em Curitiba um
homem alto e corpulento, talvez com uns quarenta anos quando o conheci e hoje
com cerca de dez anos a mais. o dia todo batia ponto no calçadão da rua XV, no
centro envelhecido onde o povão passa quase todo dia. calado andava de cima
para baixo, e a cada cinco ou dez minutos dizia uma frase com algum sentido, mas
não muito, com uma voz muito forte lembrando o martelar de uma araponga. não se
comunicava com ninguém, pela aparência não era pobre nem rico, não recebia
dinheiro e parecia não atentar em quase nada na rua. à tardinha sumia, tomando
o ligeirinho Santa Felicidade-Bairro Alto. este último bairro era seu destino,
descendo no terminal de ônibus. caminhava para uma rua que nunca descobri qual fosse e nunca
o vi por perto de minha casa, próxima do mesmo terminal. também no ônibus
gritava suas frases, que soavam como uma advertência, e provavelmente eram,
ainda que de sentido obscuro. passei um
tempo sem vê-lo, sumiu do centro e do ônibus, até certo dia, indo para a
universidade onde leciono, redescobri-lo em um banco do mesmo ligeirinho. sóbrio,
tranquilo, calado, o rosto relaxado, parou em algum ponto do caminho, sem
seguir viagem até o centro. depois tornei a vê-lo muitas vezes, sempre sob a
nova aparência e sempre no mesmo ônibus. minha reação não foi boa para mim,
fiquei muito preocupado pensando na sua metamorfose. talvez estivesse medicado,
ou frequentando uma clínica, não sei, mas ficaria mais satisfeito se ele
continuasse nos seus antigos modos e nas suas intervenções no centro. mas não
sei como se sente agora, como percebe sua nova vida, o que pensa em relação à
antiga e de que modo o faz. talvez eu esteja me preocupando sem motivo, mas
fiquei com a pulga atrás da orelha.
Igor Zanoni
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