Amigos
nós ficávamos abraçados
em silêncio nas praças então mais distantes do centro em Campinas. mas também
encontrávamos amigos que na verdade formavam uma confraria à qual pertencíamos.
tomávamos um pouco de cerveja em um bar que adotamos frente ao cursinho, mas o
melhor era tomar um xarope ou outro remédio das descontroladas farmácias que
havia, caminhar, ou ir ao apartamento de um desses amigos, arrumar colchões, espalhá-los
pelo chão todo e namorar ouvindo jazz. mas em geral ficávamos esperando todos
chegarem, queimando um baseado comunitário. quando tínhamos sorte, podíamos ir a uma
chácara em Paulínia e nós dois passávamos ali sozinhos uma semana, caminhando,
cozinhando e vendo o campo pelas lentes dos cogumelos que apanhávamos cedo,
especialmente depois de uma chuva, quando eram mais abundantes. depois a vida
seguiu, nos casamos, tivemos vários filhos e muitos problemas sérios, mas
mantivemos sempre essa quase serena solidariedade, feita de presença mais que
de palavras, do cuidado com as crianças e com
a pequena casa que
alugamos, compartilhando autores e músicos como João Gilberto e Caetano,
fazendo mais papinhas que almoços. guardei dessa época um caderno com receita
de papinhas mais nutritivas e que o bebê do momento gostava, e outro com cantigas
de roda que todos adorávamos. difícil chamar nossa relação de amor, embora
fosse também erotizada, palavra que nunca compreendi senão ao meu modo, como
cuidado, exploração partilhada do que nos acontecia, invenção da nossa vida, às
vezes, muitas, como necessária proteção, ativa e pensada. apesar disso, jamais formamos um
idílico lar como “refúgio de um mundo sem coração”. li em um desses lugares que
frequentamos: “as palavras de todos os dias devem ser contidas nos nossos
gestos”. fizemos quase isso, e quase bastou para todos, claro que vendo do
ângulo de hoje.
Igor Zanoni
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