sábado, 6 de setembro de 2014

Cidade sinistra

ele me atraia por ser o primeiro negro com o qual tive maior convívio, quando não se usava sequer a palavra negro. cuidava da manutenção do colégio, dirigia os funcionários da limpeza e da cantina, fechava os portões enormes depois do turno da noite e dormia em algum cômodo que nunca conheci. falava muito pouco conosco mas mantinha um ar solícito, bonachão, indo sempre para algum lugar. o colégio não tinha vigilância, ainda se confiava em guarda-noturnos embora em algum lugar da cidade existissem inspetores de polícia, temidos não sabíamos por quem mas com façanhas que conhecíamos por alto. naquele dia não houve aula, é claro, e o Correio do Povo que papai assinava trouxe seu rosto na primeira página, estranho, como uma infeliz fotografia três por quatro. ele havia sido morto com muitos tiros pelo marido de sua amante que, soubemos, visitava-o no colégio de madrugada. foram muitas novidades em um só acontecimento e por muitos dias senti em Campinas uma cidade sinistra que agora aparecia.      

                                                                  Igor Zanoni

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