terça-feira, 30 de setembro de 2014

Fazendo poesia



logo no início do ginásio, eu e márcio decidimos ler, estudar e escrever poesia. o culto à ciência valorizava muito o estudo clássico e tínhamos muitas aulas de literatura, brasileira e portuguesa, seguindo o roteiro dos livros de manuel bandeira e massaud moisés. além disso, havia uma professora, membro da elite da cidade, muito respeitada por ser escritora, de quem fomos aluno alguns anos e que se tornou mesmo uma referência pessoal. havia também a aura de guilherme de almeida, hoje já não lido, mas do qual gostávamos muito, campineiro também e que havia escrito o poema no túmulo dos combatentes do movimento de 1932, no cemitério da saudade. eu sabia esse poema de cor, e ainda sei. como se vê, a poesia era uma arte da elite, que construiu o clube dos poetas através da prestigiosa arita pettená, incansável esposa do coronel rodolfo pettená, que criara por sua vez o círculo militar. márcio tinha uma família muito mais rica que a minha, fazia aliança francesa e cultura inglesa, tinha em casa um autorama e uma mesa de pingue-pongue, sonhos que eu mesmo nunca poderia sonhar. quando guilherme de almeida vinha a campinas fazia às vezes um encontro no círculo militar, conversava e dava autógrafos. eu mesmo nunca fui, embora fosse sócio do clube porque meu pai era oficial do exército, mas nunca tive a desenvoltura do márcio, que era instruído e me repetiu um dia uma frase de um filme, que assistimos, estrelado por alain delon: “j´ai la race des seigneurs”. eu era uma pessoa muito mais modesta, com um pendor para a tristeza, que márcio não tinha. mas ele sempre escreveu muito melhor que eu, embora eu sempre tenha achado que lhe faltava ser triste, porque a tristeza fica muito bem nos poetas.  


                                                                           Igor Zanoni

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