logo no início do ginásio, eu e márcio decidimos ler,
estudar e escrever poesia. o culto à ciência valorizava muito o estudo clássico
e tínhamos muitas aulas de literatura, brasileira e portuguesa, seguindo o
roteiro dos livros de manuel bandeira e massaud moisés. além disso, havia uma
professora, membro da elite da cidade, muito respeitada por ser escritora, de
quem fomos aluno alguns anos e que se tornou mesmo uma referência pessoal. havia
também a aura de guilherme de almeida, hoje já não lido, mas do qual gostávamos
muito, campineiro também e que havia escrito o poema no túmulo dos combatentes do
movimento de 1932, no cemitério da saudade. eu sabia esse poema de cor, e ainda
sei. como se vê, a poesia era uma arte da elite, que construiu o clube dos
poetas através da prestigiosa arita pettená, incansável esposa do
coronel rodolfo pettená, que criara por sua vez o círculo militar. márcio
tinha uma família muito mais rica que a minha, fazia aliança francesa e cultura
inglesa, tinha em casa um autorama e uma mesa de pingue-pongue, sonhos que eu
mesmo nunca poderia sonhar. quando guilherme de almeida vinha a campinas fazia às
vezes um encontro no círculo militar, conversava e dava autógrafos. eu mesmo nunca
fui, embora fosse sócio do clube porque meu pai era oficial do exército, mas
nunca tive a desenvoltura do márcio, que era instruído e me repetiu um dia uma
frase de um filme, que assistimos, estrelado por alain delon: “j´ai la race des
seigneurs”. eu era uma pessoa muito mais modesta, com um pendor para a
tristeza, que márcio não tinha. mas ele sempre escreveu muito melhor que eu,
embora eu sempre tenha achado que lhe faltava ser triste, porque a tristeza
fica muito bem nos poetas.
Igor
Zanoni
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