terça-feira, 9 de setembro de 2014

Descomedido

mesmo vizinhos que devem muito um ao outro medem sua relação e a controlam segundo inúmeras conveniências e regras implícitas, mas um garoto como eu, ainda que percebendo um pouco isso, visitava-os entrando pelo corredor lateral com suas roupas alvejando em longos varais. sentava na cozinha,  conversava com meu tico de assunto, prosaico e tolo, mas nunca recusado, inclusive pela sombra de meu pai prestigiosa e um pouco temida. às vezes ia até a sala, onde uma das moças fazia coisas como aparar e pintar as unhas vendo televisão. eu gostava sobretudo dos cômodos amplos, da casa antiga e quieta, sem o movimento de tanta gente como em minha própria casa, mas talvez já possuísse essa vontade de conversar sem rumo estabelecido e de fazer relações sem cálculo mas com empenho. entretanto achei estranho quando o pai delas, sentado no muro de cerâmica vermelha e fumando o cigarro de palha que lhe seria mortal, disse-me sem eu esperar que sua vida se acabara com o rumo que as filhas haviam tomado. eu já ouvira algo sobre isso no Castelo mas não prestara atenção, eu conversava com elas embora como um mocinho muito mais jovem. elas eram bonitas, sobretudo uma delas, e depois dessa revelação passei a velar mais fortemente uma inclinação tão descabida quanto descomedida.


                                                                 Igor Zanoni

Nenhum comentário:

Postar um comentário