mesmo vizinhos que devem muito um ao outro medem sua
relação e a controlam segundo inúmeras conveniências e regras implícitas, mas
um garoto como eu, ainda que percebendo um pouco isso, visitava-os entrando
pelo corredor lateral com suas roupas alvejando em longos varais. sentava na
cozinha, conversava com meu tico de
assunto, prosaico e tolo, mas nunca recusado, inclusive pela sombra de meu pai
prestigiosa e um pouco temida. às vezes ia até a sala, onde uma das moças fazia
coisas como aparar e pintar as unhas vendo televisão. eu gostava sobretudo dos
cômodos amplos, da casa antiga e quieta, sem o movimento de tanta gente como em
minha própria casa, mas talvez já possuísse essa vontade de conversar sem rumo
estabelecido e de fazer relações sem cálculo mas com empenho. entretanto achei
estranho quando o pai delas, sentado no muro de cerâmica vermelha e fumando o
cigarro de palha que lhe seria mortal, disse-me sem eu esperar que sua vida se
acabara com o rumo que as filhas haviam tomado. eu já ouvira algo sobre isso no
Castelo mas não prestara atenção, eu conversava com elas embora como um mocinho
muito mais jovem. elas eram bonitas, sobretudo uma delas, e depois dessa
revelação passei a velar mais fortemente uma inclinação tão descabida quanto
descomedida.
Igor Zanoni
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