quando passávamos a uma circulação mais ampla que a
das relações familiares mudávamos os interesses de forma brutal para mim, que
sempre me mantive o mais conservador e ignorante de todos os meus amigos. Marta
me perguntou, penso que na única vez em que conversamos, enquanto descíamos a
Rua Jorge Henning´s rumo ao ponto do bonde, se eu gostava de teatro. pergunta
causadora de grande embaraço e perplexidade, tanto que passei a ver na minha
amiga uma de tantas jovens que traíam a doçura da adolescência por um tesouro
cujo valor me escapava. Sandra escrevia poemas, como eu mesmo já escrevia ou
tentava escrever, mas seus poemas eram confusos e remetiam a sentimentos
difíceis. os amigos em geral eram muito mais tolos, mas o problema eram as
moças. felizmente havia Natália, que morava em uma bela casa envidraçada na esquina,
irmã de Orest , cujo pai era professor de física na nascente Unicamp. ela era
extremamente linda, muito alta e loira, e parecia não pensar especialmente em
nada, embora também jamais em mim. em uma briga memorável com o irmão, saíram
correndo pela casa mas Orest escapou para a rua ao mesmo tempo em que Natália
esmurrava a porta de vidro que ele havia fechado. cortou muito o braço e a mão
e foi operada, mas não comentou nada depois. pela primeira vez percebi algo
particular nos russos e gostei muito. neles havia movimento, vida e beleza, sem
tanta conversa.
Igor Zanoni
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