Amizade
Um dos pontos que mais gosto em Freud é o esclarecimento que fez sobre o conteúdo erótico na amizade. Este esclarecimento foi doloroso para ele por envolver a relação ambivalente com Fliess, como narra Peter Gay na sua biografia “Freud: Uma vida para nosso tempo”. As amizades profundas que demandam o esforço de esclarecimento, a vontade de manter os contatos e fazer esforços constantes para isso é tão real na amizade como no casamento ou relação amorosa ou até mais, porque não tem um estatuto muito definido e em geral não é muito compreendida. Não sei se todas as amizades envolvem esse erotismo, mas o afeto é indubitável em todas, ainda que conviva com uma crítica da relação ou da amizade e até por isso. É um amor de olhos abertos, depois do apaixonamento. Às vezes se tem uma natural inclinação para amizades com mulheres, ou com homens, as primeiras não por serem necessariamente belas, mas por serem acolhedoras e mais vulneráveis que os homens mais inclinados a definir seu status e suas opiniões, pois os homens são mais ideológicos e cumprem melhor programas, enquanto as mulheres são mais imprevisíveis, como Winona Ryder em Celebrity de Woody Allen. Mas é claro que há mulheres competitivas e fora dos padrões culturalmente dados às mulheres.Vejam a Dilma Rousseff, que mesmo assim teve de abrandar sua fisionomia, trocar o óculos para se tornar mais bela ou mais apetecível a todos. Muitas vezes temos amigos do mesmo sexo, ou gays, e mesmo que não tenhamos uma carga grande de homoerotismo ou homofobia, a amizade pode se desenvolver com este aspecto lúdico do amor, da troca enriquecedora, do apreçamento mútuo. Mesmo que não durmamos com alguém, este pode se vestir aos nossos olhos como aquele que nos ouve bem, com atenção e paciência. Não fazemos isso com o terapeuta ou o professor ou o ministro, todas figuras com uma carga emocional e erótica culturalmente dada? Não é à toa que muitos professores se casem com uma aluna, ou que padres tenham filhos. No fundo esperamos isso de suas relações. O mal está na proibição conservadora desse jogo antigo, embora não se espere que os professores busquem se relacionar com seus alunos ou que padres explorem crianças, pois não é disso que falamos, mas das conseqüências nefastas da proibição. É engraçado que muitas vezes, como ocorreu com Freud e Fliess, as relações sejam estabelecidas entre amigos em tudo diversos. Um antigo amigo, Paulo Faria, disse-me certa vez que se você trabalhar numa sala por um tempo com um crápula, com o tempo se torna seu amigo. As pessoas precisam das outras, custe o que custar, um pouco infelizmente talvez. Muitas vezes também amigos vestem papéis que ambicionamos para nós mesmos, como uma força e uma independência diante da vida, uma segurança que almejamos porque nos falta, nunca a temos como desejamos. Mas também não é por isso que em parte amamos os pais ou os avos? Relações ambíguas que por isso se dão sempre um pouco obscuramente, vigiadas. As relações com colegas também, a mitificação que sofrem as primeiras namoradas, os primeiros amigos, o primeiro amor. conheço dezenas de casos de pessoas sós que subitamente se encontram com um ex-namorado de infância e pouco tempo depois estão casados e vivem bem. Claro, têm um grande capital afetivo e imaginário a seu favor. Gosto de pensar na amizade entre os irmãos, a mais solta e tranqüila das amizades/amores, para quem confessamos tudo, conversamos sobre qualquer intimidade, pois aí está reunida a ninhada. Mas é claro essa amizade também tem sobre si a mais séria proibição, a do incesto, como o amor entre filho e mãe, ou filha e pai. Freud gostava de dizer, “o homem, esse contraditório.”. Somos claros e as contradições surgem quando temos de erigir sobre os mais profundos e pessoais afetos a nossa cultura. Daí a busca, como a de Marcuse, por uma cultura não repressiva e por aí vai.
Igor
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