quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Congestionamento


Congestionamento

A partir de meados dos cinqüenta, a industrialização em países da periferia como o Brasil concentrou crescentemente a produção industrial nas maiores cidades do País, básicamente no Sul e Sudeste. A modernização agrícola, que significou uma verdadeira transformação industrial dos processos produtivos agropecuários desde meados de sessenta agravou essa situação, despovoando regiões interiores do país antes ocupadas por posseiros, rendeiros, meeiros e pequenos proprietários. Assim, mesmo cidades menores nas regiões acima ganharam população na sua zona urbana, e cresceram novas megalópolis no País, além de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Para se ter uma idéia, a RMC de Curitiba concentra hoje a terceira maior renda no espaço nacional. O mercado de trabalho não pode absorver esses contingentes populacionais senão de forma relativamente pequena, e a crise econômica a partir do início dos oitenta e que persiste pelos anos noventa e início dessa década, fez com que se disseminasse uma rede de cidades médias bastante povoadas por pessoas marginalizadas do emprego e da inclusão social. Nessas últimas décadas, a inserção internacional comercial e financeira do País aumentou significativamente, estimulando atividades como o novo setor de alimentos e rações baseados no complexo carne e no complexo soja e outros grãos. Esse impulso se dirigiu a países que cresciam na cena internacional como os outros Brics , com sua grande população. Esses países continuam na crise atual sustentando em boa medida o ritmo econômico mundial, com sua população crescente e uma estratégia de crescimento organizado de longo prazo, como se observa na China, Índia e África do Sul. Ao mesmo tempo, esses países, ao lado do Brasil, são grandes exportadores também, além de importadores, o que dá uma medida de seu impacto sobre as estruturas econômicas de países com os quais mantém relação expressiva. Com uma população com renda média baixa, eles vêm desenvolvendo seus mercados atendendo crescentemente essas grandes populações com produtos agrícolas, pecuários e outros de importância semelhante, mas também vem adaptando modelos de produtos para classes de menor poder aquisitivo. Um bom exemplo é o grande mercado de carros populares, como os carros de menor potência no Brasil. Aqui se espera inserir como consumidores de automóveis novos classes D e E de renda, com modelos baratos e econômicos. Mas há outros produtos, no ramo de roupas ou alimentos, celulares e produtos próximos e computadores de todo preço. A concentração da população em cidades sem poder gerar volumes expressivos de bons empregos abriga, além dessa inserção pelas bordas do consumo, uma inserção selvagem de que tratam as notícias sobre o tráfico, a criminalidade, o trânsito cruel, a escolaridade precária, a massificação através da mídia e dos produtos de segunda linha. Tudo isso gera em um país como o Brasil uma opressiva sensação de ocupação de todo o espaço, no campo, nas cidades mais antigas e nas regiões distantes como o Pantanal, a Amazônia, e outras, ocupadas mais recentemente e em processo de ocupação, onde há uma penetração econômica horizontal lado a lado com concentração populacional em cidades que vivem do campo mas não moram nele. Nas grandes e pequenas cidades o panorama é de escassez de moradia, muito trânsito, turbulência nas relações humanas, ausência de políticas sociais avançadas em saúde, educação e outras áreas. Essa densidade relacional pobre é exponenciada pelo celular e pela internet em sites de relacionamento, que levam a relações de um novo tipo ainda por ser explorado melhor em suas tramas de sociabilidade, como a amizade, o amor, o parentesco e outras. Essa sensação de um país enorme com população pequena para seu território, mas super ocupado por essas relações, gera uma sensação de desconforto e de intromissão na vida uns dos outros, inclusive pelo crime, Acabaram-se os jardins, os quintais, os terrenos baldios onde se jogava futebol e bets nos bairros e se podia andar em segurança de bicicleta levando consigo toda uma cultura de vizinhança e relações familiares e próximas. Já não se tem em casa uma pequena criação, por exemplo, um galinheiro, e perde-se com tudo isso contatos com o mundo natural e uma certa lassidão na vida, hoje frenética. Muitas pessoas reclamam desse stress culpando o crescimento populacional, a internet e a globalização, e acertam sem se deter nos processos que aqui tentei delinear. Imaginem que na antiga Índia, por exemplos, pessoas deixavam a vida da cidade com seu artesanato e comércio e fugiam para a floresta em busca de solidão e encontro espiritual. No Brasil e em qualquer grande país isso é impossível, e países sem grande expressão na cena econômica estão hoje leiloando terras férteis para companhias estrangeiras, como acontece no Congo e em Madagascar, por exemplo. Apenas grandes possuidores do dinheiro mundial tem seus espaços privados em condomínios de luxo ou no Caribe, emirados árabes e outros. O mundo está crescentemente fatiado em termos geográficos de uma forma inédita.

                                                                                                                       Igor

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