quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Casais


Casais


Os casais que conseguem permanecer juntos muito tempo devem ter uma característica parecida, mas a característica que mais me interessa é a capacidade de um de seus membros dominar o outro por algum motivo. No caso de meus pais, sua longa história comum até se separarem deveu-se, penso, à preocupação com os muitos filhos pequenos que geraram ao longo de mais de mais de vinte anos juntos, embora as brigas se amiudassem com o tempo até se tornarem insuportáveis para ambos. Sempre tive carinho pelos dois, sabia da vida de cada um, mas nunca falei de um deles com o outro. Papai era dedicado ao trabalho, era militar do corpo de saúde, viveu muitos anos na fronteira, em Mato Grosso, onde desenvolveu com freis jesuítas holandeses, que tinham ali uma missão e um colégio de ensino fundamental , um ofidiário para fornecer veneno em bruto que era levado ao Butantã em troca de soro anti-ofídico. Salvou muitas vidas com esse trabalho, e desenvolveu outros sempre com brilho por onde passou em sua carreira. Todos os filhos homens fomos fascinados por papai, sua inventividade, autodidatismo característico da época e independência pessoal. Mamãe sempre detestou Mato Grosso, que achava quente demais e sem diversões, não entendia o trabalho do marido e embora fosse exímia costureira e excelente cozinheira, emotiva e muito próxima do dia a dia dos filhos, sua vida foi, aos olhos do mundo, modesta. Sempre dependeu do marido e só se separou quando a filha mais nova tornou-se uma adolescente. Seu grau de dependência do papai ficava claro quando ele ia à Sears comprar coisas para casa sozinho. Uma vez comprou um modelo novo de geladeira, enorme e vermelha, que mamãe detestou mas não pôde trocar.
Pensando agora em mim, meu primeiro casamento se deu quando eu e minha esposa éramos muito jovens. Cooperamos muito um com o outro, seja no estudo seja no cuidado da casa e dos dois primeiros filhos que vieram logo. Tratamos dos filhos em comum, ajudamos a fundar uma escola baseada em princípios cooperativistas, bastante moderna em termos pedagógicos, e lemos uma pequena biblioteca para entender as crianças. Eu sempre fui, até pelo menos certa idade, muito frágil emocionalmente, embora herdasse do papai o amor ao estudo e ao trabalho, e minha esposa foi uma bússola emocional para mim, mesmo durante os três longos anos em que sofreu de um câncer, do qual veio a falecer deixando-me desolado e desorientado. Apenas com a psicanálise e depois em outro casamento muito diferente pude me firmar um pouco mais, conservando essas características de fazer pelos filhos o que papai nunca fez pelos seus, mas imitando seu exemplo de vida ativa e quase incansável. Ao mesmo tempo, meus casamentos foram muito mais democráticos e nunca houve em casa o adoecimento de que mamãe sofreu. Talvez eu tenha adoecido por minha mãe.
Acompanhei muitos casais por longos anos juntos. Embora se possa fazer certa tipologia entre gerações desses casais, seu nível educacional e outros, sempre vi essa dificuldade em cuidar da vida dividindo ou não o governo do lar. Para a maioria, fazer do lar um local agradável demanda muito esforço e honestidade. Meus antigos sogros repetiram uma história um pouco parecida. Embora meu sogro fosse um homem dado a grandes empreendimentos, na sua escala, era extremamente instável, e tanto ganhou como perdeu com facilidade muito dinheiro. Saía de casa por longos períodos, em viagens com uma caminhonete pelos recantos mais distantes do país, nunca se sabia quando iria partir ou voltar. Minha sogra era uma mulher simples, de idéias arraigadas e tradicionais , quando o marido adoeceu de um câncer no pulmão cuidou dele até a morte, depois ajudou-me a cuidar da filha e dos netos, morreu muito idosa e sempre aceitando bem seu destino. Depois de sua morte descobrimos que ele havia montado uma família em outra cidade com uma cunhada, da qual tivera quatro filhos.
É difícil pensar que faremos do cônjuge uma pessoa feliz, pois isso não depende de nós. Todavia é possível fazer um voto de auxiliá-lo a procurar ser feliz, o que exige companheirismo e ao mesmo tempo desprendimento. Devemos também buscar os motivos de nossa felicidade sem sobrecarregar de culpas o outro, pois isso não tem sentido. O caminho que o casal percorre até essa compreensão, quando consegue tê-la, é penoso e acidentado. O mais comum é a dependência e a fuga dessa dependência para cair em outra, as críticas a propósito de quase tudo, deixando o ambiente do lar sempre minado e turvo. Quando um dos cônjuges ou companheiros consegue manter uma motivação altruísta e cuidado no relacionamento, este quase sempre vai bem. Melhor quando os dois se dedicam a esse cuidado e carinho. Mas há tantas circunstâncias que tornam a vida humana insegura e alvo das ações dos poderes de Maharaj, o senhor da existência cíclica, da vida e da morte, que viver juntos quase sempre é penoso quando não se tem claro a necessidade de perdão e cuidado. Perdoar nem sempre é compreender. Pode ser antes aceitar, acolher, amparar, sem dependar do outro, mas não o perdendo de vista. Se veio à nossa vida, cuidamos, se um dia se vai, procuramos manter ainda tranqüilo o coração de ambos. Isto não é agir como santo, mas como ser humano.

                                                                                                  Igor

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