À régua e compasso
Conheço há muito um rapaz, hoje com quase trinta anos, que há muito, desde a adolescência, mostra um transtorno afetivo que o maltrata com obsessões e compulsões do tipo lavar as mãos interminavelmente, cumprir um conjunto de rituais para dormir ou trabalhar e que colore a rigor tudo que faz, dificultando sua vida de relações e sua vida estudantil e laboral. É um rapaz alto, bonito como em geral são os jovens, inteligente e criativo, com uma grande vitalidade. Apesar disso, demorou dez anos para terminar seu curso de Engenharia Elétrica na universidade onde sou professor, embora tenha feito um excelente vestibular e sempre tenha gostado de mexer com eletricidade, eletrônica, computação e música, entre outras áreas em que se mexe bem. Nos anos decisivos de sua formação emocional assistiu a uma longa doença de sua mãe, que a desfigurou fisicamente, levando-o a afastar-se com repulsa natural dela e a comer exageradamente, engordando bastante. Seu pai era uma pessoa frágil, com sintomas de depressão e fobia nesse período, mas que cercou os filhos e a mulher com uma barreira protetora á custa de sua vida profissional. Nunca levou esse rapaz ao nutricionista, e esperou para levá-lo a um psicólogo. Na verdade, cercou a família de um mundo invasivo. Após a morte de sua esposa voltou a casar-se com uma pessoa significativa para a família mas que não poderia participar desse drama familiar sem onerar-se demais. Mesmo assim, ela ajudou muito o rapaz na sua adolescência, e ele cresceu entre os vários irmãos como um tipo um pouco gordinho (já tinha emagrecido bastante), fuçador e incansável, um pouco ansioso demais. Na faculdade começou a ter dificuldade com o ritmo de estudo, reprovou em algumas matérias, perdeu colegas que iam para outros anos, de modo que todo o curso foi realizado de modo solitário e um pouco sombrio. Nunca trabalhou nem foi cobrado nos estudos em casa. Os coordenadores de curso pelos quais passou o auxiliaram muito e lhe deram sempre uma ajuda para se manter à tona e concluir a faculdade. Seu pai também nunca lhe cobrou o desempenho escolar, mas começou a levá-lo a uma clínica onde fez psicoterapia e tomou remédios sob uma orientação competente de um profissional bastante maduro. Entretanto, a psicoterapia a princípio o
desestruturou um pouco mais, projetava na psicóloga a figura da mãe, tomava sua mão, chorava a consulta toda. Depois decidiu abandonar a psicoterapia e os remédios e começou com amigos a cursar uma escola de gnose, onde aprendeu a meditar e relaxar, organizar suas dificuldades em estudar, ganhou amigos, começou a fazer bicos e estágios e enfim se formou. Mas nunca trabalhou como engenheiro, nunca prestou um concurso público no qual teria grande chance de ser aprovado. Seus empregos foram na área de informática, o que o irritou longe de ajudar, passou depois um tempo sem trabalhar, passou a morar com um dos irmãos com o qual tinha grande afinidade e esperou. Decidiu após um tempo voltar a um psicólogo e pediu ajuda ao pai. Este o levou ao Instituto Viktor Frankl em Curitiba, onde um psicólogo de aproximadamente sua idade pôde ajudá-lo a relaxar e recomeçar a trabalhar e fazer suas escolhas na vida. Conseguiu um emprego, como ele disse, que não o obrigasse a pensar, em uma fábrica de móveis de alto padrão, como marceneiro. Tem dificuldade em ligar a gnose com a psicoterapia, mas se esforça nesse sentido. Embora tenha vivido a vida toda dentro de uma anarquia em quase todas as suas atividades, teve sempre na mão uma régua e um esquadro, ou um compasso, ou um programa de computador que ele alterava para poder usá-lo. Tem grande raciocínio lógico, pensa sem parar, tudo mede, esquadrinha, rearranja, num autodidatismo fantástico. Em todo o espelho do mundo se vê e se busca, e quer a si, na medida de seu rigor em contar sílabas de um mantra ou respirações ao relaxar, enquanto também com seu corpo cheio de energia monta armários, camas e estantes que jamais poderá comprar. Contei este caso a minha psicóloga, Dra.Selma Chiandotti Lamas e ela comentou que o importante é encontrar uma forma não ilusória de lidar com o sofrimento e buscar a felicidade, parodiando o que o Dalai-Lama sempre diz no início e no fim de cada um dos seus textos. Os dez anos de engenharia passaram como passam as estações, os meses e anos e a vida, foram uma enorme conquista pessoal, que agora ele pode com paz esquecer, ao menos por enquanto, traçando seu itinerário entre a Associação de Estudos Filosóficos, o Instituto Viktor Frankl, a fábrica, a casa, e quem sabe onde mais, agora ou depois...
Igor
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