quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Escrevendo


Escrevendo

Como um golpe do destino, ao entrar no Grupo Escolar Dona Castorina Cavalheiro, como já fosse alfabetizado, fui convidado a escrever um pequeno texto para o jornalzinho dos alunos que estava começando a ser feito, em grande estilo e ótima impressão. Meu texto foi curto e objetivo, disse meu nome, minha série e que pretendia estudar bastante. Foi um texto também para agradar dona Violeta Coelho de Miranda, minha professora na primeira série. Eu havia perguntado a ela se eu podia ir já para o segundo ano, mas ela disse que eu precisaria primeiro ler todo o livro As Aventuras de Pedrinho e Maria Clara. Eu fui para minha carteira e em duas horas devorei o livro todo, que era um pouco chato, mas não totalmente, e voltei a perguntar se agora eu poderia ir para a segunda série. Ela disse que eu ia precisar ler o livro devagar ao longo do ano, o que me pareceu insensato, e para me ocupar me convidou a escrever para o jornalzinho do grupo. Eu disputei esse ano a fitinha verde e amarela de melhor aluno com Paulinho Vasconcellos, ótimo sujeito, que nunca mais voltei a ver, mas de quem tive notícias através de seu irmão, o Vasco, que foi meu colega mais tarde no Culto à Ciência e na Unicamp, onde se tornou professor do Instituto de Economia. Eu gostava de ganhar a fitinha mas também gostava do Paulinho, então tivemos uma disputa amistosa e sem esforço. Já em Cáceres, no Instituto Santa Maria, moramos em uma casa arejada como todas as dali, perto de uma coletoria federal onde havia umas prateleiras de livros vindos não sei de onde. Eu gastava boa parte de minha mesada escolhendo e comprando livros. Enchi um baú de papelão, daqueles antigos, com adaptações da Editora Melhoramentos e com uns gibis grandes que comprávamos dos padres com histórias desenhadas de livros famosos. Era uma época em que se acreditava no dito que um país se faz com homens e livros, e eu li como pude Os Lusíadas, Robin Hood, Quo Vadis, Os Três Mosqueteiros e outras grandes estórias. Quando mamãe foi ao Rio em umas férias trouxe-me uma biografia de Joana D’Arc, de Sérgio Macedo, que reli muitas vezes. Perdi esse baú em uma chuvarada que inundou meu quarto, mofaram todos os livros, e meu grande patrimônio se perdeu. Também ganhei de meu tio Arjuna, irmão de meu pai que vi uma só vez na vida, uma coleção de um ano de Diversões Escolares, uma revista que buscava educar e divertir, como se depreende de seu nome. Não lembro de minhas redações e minhas ambições literárias nessa época, mas me parecia pelo escolasticismo a que estava submetido que todas as obras necessárias ao mundo já haviam sido escritas. Tive bastante tempo para ler e nadar no Paraguai, andar a cavalo e brincar de bolas de gude e bolas de aço de rolimã, esporte em que fui imbatível. Só no Culto à Ciência comecei a ler textos célebres da língua portuguesa. Como eu era muito novo e romântico, apaixonei-me pelos livros de Joaquim Manuel de Macedo, Julio Diniz e Almeida Garret. Minha formação foi, pois, liberal, nacionalista e açucarada. Livros mais recentes só vim a ler depois, como os de José Mauro de Vasconcelos, que me pareciam ainda mais açucarados que eu. Nessa época do ginásio eu era invariávelmente diretor cultural do grêmio estudantil, montando sempre concursos de poesias e de redação com meu grande amigo Márcio Coimbra Massei. Ele escrevia muito bem, vinha de uma família de posses e sua mãe tinha boa cultura. Lembro ter visto ali, salvo engano, cobras de Freud e Stefan Zweig, que não poderia saber de que tratavam. Eu comecei a poetar e a ler desesperadamente, freqüentava o Clube de Poetas de dona Arita Pettená, má poeta e senhora da sociedade campineira, cujo marido havia criado o Círculo Militar de Campinas. Não me lembro do que escrevi nesses anos, mas incluía prosa, poesia e teatro. Os pais do Márcio editaram uma coleção de seus versos nos seus quinze anos, Rimas de Estudante, mas meus pais não puderam o mesmo para mim. Sem recursos, comecei a estudar literatura por Manuel bandeira e suas antologias de poetas brasileiros e por Massaud Moisés, além do compêndio cobiçado que consegui comprar, Flor do Lácio. Meu professor de literatura nos últimos anos do ginásio gostou de alguns poemas meus, que eram formalistas e banais ao mesmo tempo. O Márcio era católico, fez cursilho, gostava de MPB, eu era o oposto: evangélico, pobre, amante dos Beatles e de Roberto Carlos. Só escrevi meu primeiro poema memorável depois de ler muito Fernando Pessoa, Drummond, Bandeira e outros. Não que compreendesse, mas pega de ouvido o ritmo, a melodia, e o pathos lírico, embora eu não fosse nada politizado na época, já que esse era um tema tabu em casa. Mesmo hoje meus poemas são pouco políticos no sentido usual do termo. Os textos que aprendi a fazer como economista, de esquerda, liberal e nacionalista, são outra coisa. Não tenho um projeto literário e nunca tive. Ganhei na escola facilidade de compreender e escrever textos, mas me profissionalizei como autor de textos sobre economia paranaense e brasileira, no Ipardes e na Federal, mas mesmo estes são um tanto escorregadios. Acho que posso explicar isso da seguinte forma: eu tinha mais o que fazer, tinha de pensar na vida, sair das minhas fobias e ciclos de depressão. As melhores coisas que disse, ou as mais importantes, ficaram dentro das sessões de psicanálise ou em conversas com meus raros amigos íntimos. Publiquei razoavelmente textos de economia, e nenhum poema. Os poemas, depois da invenção do micro, distribuo para uma lista de amigos. Fico surpreso
quando vejo que alguns tem a coleção quase completa, o que eu mesmo não tenho. Todos têm um tempo interno que não se ajusta ao tempo externo do trabalho, estudo, família. Eu me deleito com meu tempo interno, embora sofra nele. Solitário como todo narcisista, não tenho muito claro o que as pessoas acham do que faço. Ainda não conclui meu processo de individuação, apesar de quase velho. Mas ainda estou buscando ajuda e me colocando nesse caminho. Os poemas e textos são pedras que possuo, que rolam e rolam em minha vida sem limo.

                                                                                                                   Para Selma

                                                                                                                       Igor

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