Dinheiro
Em um texto, contido nos Essays in Persuasion, de 1930, As Possibilidades Econômicas de Nossos Netos, Keynes, em plena crise, admitia que esta fosse não um “reumatismo da velhice” mas as dores de reajustamento entre um período econômico e outro: “O aumento da eficiência técnica tem ocorrido com mais rapidez do que conseguimos lidar com o problema da absorção de trabalhadores, o progresso no padrão de vida foi um pouco rápido demais, o sistema bancário e monetário do mundo tem impedido que a taxa de juros caísse tanto quanto seria exigido pelo equilíbrio”. Ainda assim, ele considerava positivamente indicadores como o elevado produto físico da indústria britânica e o excedente líquido da balança externa. Para ele, a enorme anomalia do desemprego cega a visão real da tendência das coisas.
O problema que ele se coloca a partir daí não é examinar o futuro próximo, mas indagar sobre o que racionalmente se pode esperar do nível da atividade econômica dos nossos netos, isto é, em um período de cem anos (como o texto foi escrito em 1930, esse período terminaria grosso modo em 2030). Olhando retrospectivamente, a história da humanidade num período entre dois mil anos antes de Cristo até o início do século XVIII, chama atenção o ritmo lento de progresso ou falta de progresso, causado, segundo Keynes, pela ausência de importantes melhoramentos técnicos e a deficiência da acumulação de capital. No período a partir do século XVIII, a grande era de invenções científicas e técnicas fez com que o crescimento do capital se desse em uma escala que jamais existiu em qualquer período anterior, apesar do grande crescimento da população mundial, que para ele já estava sendo contido.
Existiriam provas de que as revolucionárias mudanças técnicas que afetaram a indústria logo atingiriam também a agricultura, a mineração e os transportes: “Em alguns poucos anos – quero dizer, ainda durante nossa vida – poderemos ser capazes de desenvolver todas as funções da agricultura, da mineração e da indústria com um quarto do esforço humano a que nos acostumamos”. Logo chegaria um tempo de desemprego tecnológico, isto é, um desemprego causado pela descoberta de meios para economizar o emprego do trabalho, a um ritmo maior do que aquele pelo qual se pode encontrar novas utilizações para força de trabalho. Isto significa que a humanidade está resolvendo seu problema econômico e que o padrão de vida nos países em progresso seria dali a cem anos, entre quatro e oito vezes maior que o atual.
As necessidades absolutas, as que sentimos qualquer que seja a situação de nossos semelhantes logo estariam satisfeitas e poderíamos devotar a energia a finalidades não econômicas. Para ele, o problema econômico não constitui se olharmos o futuro, o problema permanente da raça humana. Isto traria um problema do ponto de vista moral ou ético para a maior parte da população ao mesmo tempo em que o lazer passaria a constituir, para os que lutam pelo seu cotidiano, uma doçura inesperada. Aí começariam as verdadeiras preocupações humanas: “Assim, pela primeira vez desde sua criação, o homem enfrentará seu problema real e permanente, como a empregar a liberdade de preocupações econômicas prementes, como ocupar o lazer que a ciência e o juro composto lhe terão conquistado, para viver bem, sábia e agradavelmente. Os ativos e decididos ganhadores de dinheiro podem levar-nos todos ao aconchego da abundância econômica. Mas apenas serão capazes se aproveitar a abundância a arte de viver, e os que não se vendem pelos meios de vida”. Começam aí preocupações éticas e estéticas inerentes às conseqüências filosóficas do pensamento keynesiano.
É interessante notar que, segundo Peter Gay, já em 1897 Freud estava convencido de que o excremento, o dinheiro e a neurose obsessiva estavam intimamente ligados, e que os pacientes que obtinham prazer retendo suas fezes exibiam de modo típico os traços de caráter relacionados a ordem, parcimônia e obstinação. Para Freud, esses pacientes faziam a equação dinheiro=fezes, e apresentavam um erotismo anal. Mais tarde, confrontando o princípio do prazer com o princípio de realidade, mostrará quer no inconsciente, no reino da repressão e das fantasias , o teste da realidade não tem nenhuma influência, e a única moeda que conta ali é a moeda neurótica. No front dos conflitos constitutivos do inconsciente, o predomínio da doença nervosa derivava de uma auto-recusa excessiva, imposta sobre as necessidades sexuais dos seres humanos.
Em outros termos, as imposições da cultura sobre o indivíduo criavam neste um erotismo no qual a moral sexual civilizada se combinava à doença nervosa, e enlaçava a psicologia social e a individual.
Nesse sentido, parece haver uma convergência entre Freud e Keynes no tocante à construção necessária de uma ordem social em que a saúde mental pudesse ser melhor assegurada. Embora ambos fossem politicamente burgueses, avançaram além dos seus horizontes em uma crítica da sociedade articulada pelo dinheiro.
Igor.
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