domingo, 31 de julho de 2011

Falando de nós

Falando de nós

as pessoas sempre nos veem
nem tudo ou cem por cento bem
mas não dá para esconder o que somos
mesmo as nuvens tão altas no céu
são visíveis e sabemos se prometem chuva
até as aves que são ciosas dos seus ninhos
e de sua vida social
não podem se esconder de nossos olhos
porque as pessoas são sempre leitoras
das situações das personagens
gostam desgostam começam a armar ciladas
ou se prometem amor eterno
prometer não custa muito
sempre nos surpreendemos
com a sua clarividência
mas sossegue elas compreendem
a partir de sua própria vida e de sua alma
mas não há nada mais diferente entre si
do que duas vidas e duas almas
por via das dúvidas leve em conta o que ouve
examine com a possível imparcialidade
depois paciência ninguém pode ser o que não é
a paciência não é prática
mas é como aqueles remédios antigos
caldo de galinha uma boa noite de sono
tirar umas férias
sempre ajuda e não provoca danos colaterais
é claro que te chamarão de viajante
como ele viaja! ouvi de mim muitas vezes
 mas é melhor que ser interesseiro e materialista
pelo menos disso não me acusaram

                                              Igor Zanoni


                                                       

sábado, 30 de julho de 2011

Fixidez


Fixidez

do seu modo ela ri
mesmo quando há minha tristeza
seu corpo exato ainda
lembra a primeira mocidade
seus gestos suas mãos ou cabelos
dirigem-se a mim
com um conhecimento de perito
e faz o que fazia
quando minha vida a chama
parece que ela é minha
mas eu é que sou seu
repetido nos desenhos da vida
em minha alma há uma fixidez
das borboletas amarelas
que se repetem a cada primavera
de meu tempo interior

                                                       Igor Zanoni

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Tudo que nos toca

Tudo que nos toca

Dizem os mestres budistas que tudo que nos toca e nos emociona retiramos de um depósito imemorial que perpassa toda a humanidade e suas eras. Chama-se alayavijnana, nosso carma coletivo. O carma não é um acontecimento inelutável e fatal, podemos lidar com ele, podemos mudar o que trazemos na alma, quando sentimos que isso é necessário, que carregamos peso demais na viagem. Mas ele existe, como um televisor com vários canais e programas; assistimos alguns, vivemos o que se passa à nossa frente, colocamos fundas suas percepções em nós, ou mudamos o canal. É possível aos grandes mestres até desligar o televisor. Quando sentimos algo, isto é também uma contribuição para o depósito de emoções. Podemos suavizá-lo ou carregá-lo de maus presságios. De qualquer modo a experiência de cada um está ligada á coletividade que nos envolve com seus projetos, humores, compreensão das coisas. Em geral fazemos e sentimos ou vivemos ignorantes do que está por detrás do filme que encarnamos.  Para nós é natural tomar certos caminhos ou direções, para outros não. Essa ignorância segundo o lama Padma Samten é perceber certas coisas e não ver outras. Por exemplo: começa um jogo Brasil e Argentina e imediatamente começamos a torcer pelo Brasil. Ou quando brigamos com alguém começamos as nossas maledicências. A ignorância liga-se a gostar disso e não gostar daquilo, sem razão óbvia, não gostamos ou gostamos apenas. “E quando temos problemas sérios, que nos deprimem, vamos ao psicanalista e ele pergunta:” Mas afinal, qual é o seu desejo?”. Do que gostamos, o que queremos, e a roda da vida gira seu giro insensato e cruel. Porque a sua essência é o sofrimento.  No fundo mesmo quando estamos muito felizes logo vamos sofrer, vivemos sempre realidades que nos tocam, tornam a vida difícil, mas seguimos girando a roda e escolhendo: isso sim, isso não, dependendo de como acessamos alayavijnana e de como contribuímos para ele.

                                                 Igor Zanoni 

Cálice

Cálice

quebrei minhas promessas
rompi com o amor
o caminho da paz
deixei de apanhar pelas mãos
os que podia acudir
fui infiel duro
perturbei quem já estava exausto
andei como um louco
fazendo  tudo ao contrário
do que havia me proposto
agi como qualquer um agiria
sem grandeza
para quem antes havia amado tanto
mas quando vi todo o meu mal
eu não pedi que passasse adiante
o meu cálice
traguei todo ele
sem esperança de remissão

                                           Igor Zanoni

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Infância

Infância

No bairro do Castelo, onde meu pai comprou sua casa em meados dos cinquenta, hoje um bairro movimentado e valorizado, na época o fim da linha do bonde 10-Castelo, havia vizinhos mais pobres, remediados, aqueles como meu pai que faziam força para subir ou os que estavam apenas trabalhando duro para criar a família, operários, artesãos, comerciantes pequenos, feirantes. Minha mãe distinguia bem entre os garotos quem era digno de nossa companhia e amizade e os que ela chamava meninos da rua, em resumo, pobres e sem perspectivas. Eu não entendia a distinção, inclusive porque todos os meninos me pareciam hábeis em alguma brincadeira ou arte. Havia o Paulo Roberto Mathes, meu maior companheiro, perito no difícil jogo de botão. Também o Ito, da casa ao lado, cuja família era bem mais pobre, mas muito hospitaleira, e que era muito bom peladeiro, como, na outra rua, Djalma e Dalton. É difícil aqui citar todos, porque eram muitos. Num terreno baldio próximo havia uma cancha de futebol do time de mocinhos do bairro, que disputava um campeonato entre bairros. Aí jogavam os craques, como Ito. O apartheid que mamãe queria instituir ou manter morria nessa cancha. Nunca pude jogar bola nesse time, porque não era bom o bastante. Eu assistia aos jogos nos domingos de manhã, nos dias de semana ia zanzar por lá soltar papagaio, brincar de guerra de mamona ou comer erva doce. Nessa outra classificação social eu não era ninguém. Meninos e rapazinhos que falavam palavrões quando alguém errava uma jogada, que trabalhavam durante a semana, meninos muitas vezes um pouco endurecidos pela vida, diferentes de mim, mas que com a bola nos pés eram craques. Eram craques em muitas outras habilidades, mas eu não sabia. Torcia pelo time, vivia minha vida solta mas outra, já alfabetizado cedo por meu pai com a cartilha do Tomás Galhardo, de vovô viu a uva,  lendo Monteiro Lobato e páginas do Novo Testamento. Queria uma décima parte da habilidade dos meninos da rua com a bola de capotão, queria vestir uma camisa do time, com escudo e  número nas costas. Meu coração nessa época que preservo ainda nele era contra a discriminação social. Não por ser politicamente correto, mas porque aquelas crianças eram em muitos aspectos mais hábeis e melhores que eu, um reles perna-de-pau. Toquei para frente, o que fazer? Mas nunca joguei bola direito.

                                                              Igor Zanoni

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Mudar o mundo

Mudar o mundo


Em uma distante aula na minha graduação, um professor falou sobre a incoerência entre o que chegamos pelo conhecimento intelectual e o que podemos viver. É um paradoxo próprio da nossa fragilidade e das nossas circunstâncias, próprio, portanto da nossa “humanidade”. Entretanto, muito depois ouvi um mestre budista dizer que a compreensão real ocorre quando nos transforma. Se alguém, ilustrou, aprende que fumar traz danos à saúde e continua fumando, ele não compreendeu realmente o que significa fumar. Achei esse pensamento um pouco iluminista, como se fossemos donos de nossas condições internas. Mas o budismo é um caminho de salvação e, nesse sentido, não há coerência nem possibilidade de compreender algo senão através de transformação pessoal e das nossas condições, de como as vemos ou de como damos nascimento a nós mesmos no mundo. É difícil de treinar, muito difícil de alcançar, mas não pode ser de outro modo. Lembrei a parábola do semeador, que lança sementes muitas vezes entre pedras e não medram. Somos sementes de que? Lançamo-nos para o futuro apoiados em uma linhagem e em uma tradição. Assim funcionam as religiões. Essa é a sua força e seu apelo. Mas mesmo assim se é tentado pelas contradições e não nos sentimos bem. Mas todos agora estamos diante da necessidade de mudar o mundo e nossa mente, energia e ação, por mais que pareça utópico, mesmo que não sejamos religiosos.

                                                         Igor Zanoni

Insegurança

Insegurança

vive-se na insegurança
pensamos no que passa
nossa cara nosso sonho
refazemos cada dia
e mesmo assim acontece
o imprevisível
para grande alívio nosso
não há uma auditoria
um julgamento unívoco
de nossa vida
seria estranho haver um parecer
imparcial e arguto
como um julgamento dos deuses
pois eles não julgam
aqueles que amam
e os demais interpretam
como bem lhes interessa
não vivemos um vale de lágrimas
do qual um dia final
seremos remidos
nossos dias são assim
trabalhosos
mas mesmo o trabalho não é tudo
e mesmo Lúcifer às vezes
confundimos

                                                     Igor Zanoni

terça-feira, 26 de julho de 2011

Aviso

Aviso

não peça desculpas
não se lamente
não se esconda de mim
não faça cara de choro
não sofra
não se incomode se tem
culpa no cartório
não confie que com o tempo
não banque o forte
não banque o fraco
não pense que não
teve importância
mude

                                            Igor Zanoni

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Culpa

Culpa

Muitas vezes não conseguimos nos perdoar mesmo que passem muitos anos depois de uma deficiência nossa. Que nem mesmo é sempre uma deficiência, vista pelos olhos de um terceiro, mas para nós é uma marca indelével. Por exemplo, quando uma pessoa com a qual nos envolvemos passa por uma situação muito séria e leva nossas próprias esperanças. Agimos da melhor maneira possível, mas sempre parecerá pouco, daí a culpa. Nós mesmos estamos transtornados e precisando de ajuda para atravessar com a pessoa que amamos a situação que ambos vivemos, mas mesmo que venha essa ajuda intimamente nos condenamos. Estas culpas aparecem nítidas no sonho ou em outros relacionamentos. Chamo a isto de complexo de superioridade monoteísta: temos obrigatoriamente de ser aptos para a cruz, de comer o pão e beber o vinho e sofrer depois até a ressurreição. Não podemos nos retirar desse quadro arcaico, mítico. Ele está no mais fundo de nossas emoções. Temos de ser heróis, mais que heróis, absolutos mesmo quando quase abandonados. Este castigo não é redimido pela ressurreição porque também não a permitimos. Vagamos com o rótulo na testa: culpado.
Entretanto, quantas vezes o mundo desaparece sob nossos pés, não temos chão, o rio é fundo demais. Essa é a nossa condição, talvez não de todos, mas de muitos dentre nós.

                                              Igor Zanoni

domingo, 24 de julho de 2011

Pais e filhos

Pais e filhos

Com uma frequência espantosa os pais são insensatos, voluntariosos, egoístas, e seus relacionamentos são uma crônica de uma morte anunciada, como diria Garcia Márquez. Brigam a maior parte do tempo e quando se separam para evitar mais brigas continuam brigando por mil motivos pessoalmente, por telefone, através de amigos, parentes, advogados e juízes. As crianças diante disso devem se portar de maneira inteligente, compreendendo o que se passa e que ninguém sabe o que é: fazer sua parte no embrulho familiar do qual ela é o recheio. Quando são honestos, os pais ainda tentam dialogar com os filhos. Lembro-me de uma tentativa de meu velho pai argumentando com os rebentos: “Eu sou como vocês, só sou mais velho, mas tirando isso, igualzinho”. Eu entendi como pude. Mas os filhos quando são de certa condição social e estudam, demonstram muitas vezes a perigosa propensão para o raciocínio. Uma antiga colega de trabalho tem uma filinha e tentava fazer com ela ajudasse na casa, justo na hora em que esta estava deitada no sofá assistindo televisão. Quando a mãe insistiu no pedido ela respondeu com ar filosófico: ”Eu não estou com vontade, e quando não estou com vontade, não tenho de fazer isso”. Deve ter aprendido isso da própria mãe ou de outro adulto. Para lembrar outra vez meu saudoso pai, ele sempre repetia: “A educação é uma luta entre duas vontades”. Isto porque se abole de início as possibilidades de examinar serenamente as questões juntos, etc. Este é o método antidialético, mas a dialética saiu de cena em 1991, quando segundo Hobsbawm, terminou o curto século XX. Alguém tem tempo de revivê-la?

                                                   Igor Zanoni

Divas

Divas

1
a mídia postava dia a dia
um fracasso de Amy Winehouse
um show interrompido um tratamento de saúde
detalhes da vida pública
que se tomavam por suposto
como sua intimidade
quando morreu o show acabou?
quem fazia o show?
alguém soube quem foi Amy Winehouse?

2
a miss Brasil tem de ser virgem
não pode ter feito um book
com uma foto mostrando os seios
ela tem um contrato especificando
que deve ser linda miss Maria
por que fazer concursos de beleza
onde está a beleza
nos maios de uma peça com salto alto
o cabelo comprido
e um sorriso entre os dentes?

                                                          Igor Zanoni

Sentido


Sentido

muitos procuram dar sentido
ao seu mundo de desejos
e colapsos do desejos
sua história quase os obriga
a abandonar o futuro
e investigar com o coração na mão
suas origens
eles esquecem que suas vidas
formam o mundo
junto com a vida de todos
cuidam demais de si
e querem construir um veículo
que os livre da dor
alguns vão bem por esse caminho
outros enlouquecem
nenhum porém distante
de seu tempo e lugar
é seu jeito de ser
difícil de acompanhar

                                              Igor Zanoni

Alma

Alma

tenho uma alma que não mostra
com clareza quem é o que quer
meus sonhos vem claros
quando me aquieto e os dias
lentos escorrem sua resina
por que me mostram o que não dei conta
ou sei do que se trata
mas ainda me machuca
quando quero dormir apenas
esquecer os dias e noites ?
nada morre nada passa
banhamo-nos sim sempre
no mesmo rio
quero me libertar do que?
recomeçar como um passarinho novo?
ninguém escuta os passos
do gato à espera?
minhas falhas infinitas
tudo isso é mesmo necessário?
mas as coisas passam e respondem
no sonho seguinte
 meu poder é pequeno diante do que vai
e do que ainda está

                                                            Igor Zanoni

sábado, 23 de julho de 2011

Educação

Educação

Muitos economistas defendem maiores gastos com o chamado “capital humano”, isto é, com a formação, através da educação, de trabalhadores mais qualificados, capazes de melhorar a produtividade do fator trabalho nos processos produtivos e ampliar a oferta desses trabalhadores, em falta no mercado. Não gosto desse conceito, pois penso que , segundo a boa tradição, capital é uma relação social de subordinação de seres humanos e da natureza, por meios específicos, com o objetivo da apropriação e acumulação por si mesmas, do valor e do dinheiro. Mas falando apenas como economista defendo ardorosamente maiores gastos com educação, como forma de dar maior liberdade aos que passam por esse processo e melhorar suas chances de encontrar um lugar satisfatório no chamado mercado. Grande parte dos jovens, com os quais lido diariamente como professor universitário, dirigem-se a trabalhos parecidos e monótonos, como bancos e companhias telefônicas. Quem não chega à faculdade muitas e muitas vezes torna-se um infoproletário, isto é, um trabalhador em telemarketing e empregos afins, mal remunerados e sem possibilidade de ascensão profissional. Mesmo nesses setores, o número de empregos tende a crescer menos. Uma característica do capital é a tentativa de eliminar do processo de sua valorização o trabalhador, pois é o custo mais difícil de comprimir e comandar. Quem tem acesso a uma boa educação, que não se restringe a uma boa escolarização, tem muito mais chance de criar espaços para si em um mundo em que a renda e as necessidades crescem mais velozmente que salários e empregos. Há sempre muitos casos que todos conhecemos nos quais o trabalho de uma pessoa é um pouco inventado por ela mesma, como designer, assessor de empresas pequenas  e ecológicas, especialistas em criar projetos ambientais e sociais e assim por diante. Tenho alguns irmãos que literalmente mudaram suas vidas e se reinseriram na vida do trabalho desenvolvendo habilidades específicas aprimorando sua educação. Além disso, é sabido que os professores possuem hoje uma carreira mal estruturada e mal remunerada, com jornadas extensas de trabalho, pressões diversas dos alunos e da sociedade, estão entre os profissionais mais sujeitos a depressões e doenças emocionais parecidas. Então, vamos lutar para que a norma de gasto de 10% do produto interno seja gasto em educação, e que a educação seja preferencialmente pública, que é aquela na qual a qualidade pode se desenvolver mais, pois não há ainda um bedel à frente de cada sala de aula e outros terrores típicos das escolas particulares, que fazem da educação supostamente uma corrida para o negócio e o sucesso, à custa da alma e do desejo de cada aluno e cada professor, e do bolso dos pais ou de quem arca com as despesas.

                                                                      Igor Zanoni

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Roda-viva

Roda-viva


Quando Chico Buarque falou em como a roda-viva nos empolga e leva sempre além de nossa velocidade e desejos, usou imagens idílicas e antigas como pião, moinho, roda gigante, mas a nossa vida parece correr muito mais veloz do que essas imagens sugerem. A vida mais banal é tecida pelo vencimento de prestações, o dinheiro curto, levar as crianças para lá e para cá, acompanhar torneios esportivos, experimentar uma nova marca de cerveja, comprar contrafilé para o almoço em família no sábado. Além disso, trabalhar não é fácil, o clima no emprego é de luta pela vida, fazer uma entrevista é angustiante e os horários são rígidos, há sempre alguém atrapalhando as coisas. Há ainda as pulsões originárias, o desejo que se estende pelo mundo e se bifurca em mil caminhos sinuosos e oníricos, quando não prosaicos e cheios de culpas. As relações entre os vizinhos são uma comédia à parte, falar com o síndico do prédio quase exige a companhia de um advogado, os filhos quando crescem inventam seus caminhos que nem sempre são na nossa mente promissores. A roda gira rápida e banalmente. E dentro de marcos moral e legalmente sancionados. Se quisermos inventar é preciso uma dose extra de coragem. Na televisão há um jogo entra Barcelona e Manchester, e já somos levados a torcer por um deles, isso nos divide. o jogo é descrito pelo narrador de modo a nos fazer acreditar que ele é o maior espetáculo da terra, depois vamos aos comentários do jogo na internet, dando uma espiada na banalidade das opiniões expostas ali. A nossa vida é feita de factoides, nada de importante acontece, ou acontece, mas diluída em muitos espelhos, fragmentários, insípidos. mas como nos empolga! Como nos exige como escravos obedientes da mesma luta na arena contra tigres e leões. Para prazer dos césares, mas quem é o césar? Temos de ler no jornal ou ver na tevê, que o césar está sempre mudando, assim como as bolsas mundiais e o clima. Haja alma para suportar essa roda vida nada nostálgica, prosaica, crua, burra. Não vou tirar nenhuma conclusão moral daqui ou dar alternativa. Apenas constatar como se vive mal e porcamente, como dizia minha mãe.

                                                           Igor Zanoni

Estranho amor


Estranho amor

quando duas pessoas se amam
surge entre elas uma terceira pessoa
formada dos depósitos de afetos
compatibilidades descobertas
as duas já não se amam
mas amam esta terceira
e adoram sua companhia
 neste ménage à trois
quando as coisas ficam por aí
tudo vai bem por algum
 às vezes muito tempo
mas como muita coisa fica de fora
no dia a dia real
fora dessa idealização charmosa
este romance um dia se dissolve
e ambas não percebem o que falhou
se culpam sentem-se iludidas
ou desiludidas
fazem já outra ideia do outro
e amam o passado
mas acham impossível refazer
este estranho amor

                                                         Igor Zanoni

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Elvis

Elvis

sempre me identifiquei com papai
o que meus amigos julgavam absurdo
mas decidi ser para meus filhos
o oposto do que foi para mim
criei ternura em meio a temores
deixei passar a vida um pouco como as crianças
passam uma tarde
brincando mas com seriedade
li muito mas sem método
hoje não me julgo conhecedor de quase nada
amei minhas mulheres
e com todas fui injusto
os homens não são felizes no amor
busquei a Deus de várias formas
todas se encontravam fechadas
mas não me humilhei
assim conheci o mundo
but more much more than this
I did it my way

                                                            Igor Zanoni

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A insustentável sustentabilidade

A insustentável sustentabilidade


A palavra da moda é sustentabilidade, que nasceu ligada à economia e à ecologia e hoje se estende por quase todos os aspectos da vida, até mesmo alimentação, bem estar emocional e outros. O problema é que esse uso abusivo colide com o dado fundamental de que a vida é impermanente, como ensinou há dois mil e quinhentos anos O Buda Sakyamuni . Mesmo com respeito à questão ambiental, não há soluções hoje. Talvez venha a ter no futuro, mas por ora não tem. E a insustentabilidade econômica não precisa ser realçada neste dramático início de milênio, quando um prestigiado ex-diretor do World Bank, Joseph Stiglitz, fala em erosão moral do capitalismo e as pessoas comuns estão saindo às ruas em várias partes do mundo, especialmente nos países centrais, contra a ortodoxia fiscal e financeira que quer absorver uma enorme bolha de dívida fazendo as pessoas trabalhar mais, por mais tempo, sem recompensas salariais ou de outra espécie. No Brasil também vivemos o paradoxo de uma herdeira política do popular e carismático ex-presidente Lula combater uma inflação, que não tem a ver com excesso de demanda, com elevação de juros, controle do endividamento das classes que encontraram no crédito uma solução precária para suas necessidades e sonhos de consumo, bem como corte dos gastos públicos, deixando mesmo de conceder reajuste real ao salário mínimo que é salário crucial no mercado de trabalho e para os aposentados. A sustentabilidade ligada ao wellness, melhor nem falar. Li uma entrevista de um gênio dando dicas sobre como viver sem os problemas que a maioria tem: “Controle todos os aspectos de sua vida”. Isso é lá conselho, quando a maioria precisa e quer se descontrolar para encontrar outras maneiras menos antiquadas e inóspitas de tecer relacionamentos, encontrar prazer na vida e se sentir menos culpada pelo que nem fez? Você pode comer melhor, se exercitar, meditar é ótimo, amar de verdade continua sublime e difícil, mas mesmo assim você um dia vai morrer, nem que seja com cento e cinquenta anos, talvez de Alzheimer. Se for assim, se isto já está decidido, melhor pensar em outas coisas. Os sábios encontraram sua fonte de sabedoria no amor ao próximo, não no egoísmo esclarecido, se é que isso existe.

                                                       Igor Zanoni

Bem estar


Bem estar

O romeno Georgescu Roegen propôs como forma de a produção de mercadorias agredir menos a natureza que ela visasse produtos de muito maior durabilidade, fazendo com que o consumo se concentrasse em bens essenciais e de reposição muito mais lenta. Mas a nossa produção econômica tem como lógica manufaturar bens que se desgastem em prazos previstos. Não só o design e as características dos produtos mudam como eles são adquiridos pelos consumidores de forma a visar certo grau de status e de satisfação retirada do próprio ato de se estar comprando. Gilles Lipovetsky observou que estamos em uma sociedade que quer o supérfluo, o inútil como símbolo do luxo, e o adquire aumentando as ocasiões de compra. Assim, em vez de comprar um capote longo e resistente, compra-se uma jaqueta mais barata e na moda, logo substituída por outra. Essa é a forma que a sociedade permite para a afirmação da individualidade, ao mesmo tempo em que a democracia se confunde com gestos de compra. Podemos notar também que se compramos um carro através de um financiamento, ele logo será substituído nas lojas por modelos diferentes nos próximos anos, e o saldo da nossa dívida é muito maior que o valor do carro que temos ainda em mãos. Parece que a produção e o consumo não visam exatamente bens para uma grande parte das pessoas, mas gerar receita e juros, bem como dar ao consumidor um simulacro de bem-estar e de autoafirmação.

                                                    Igor Zanoni


Tédio

Tédio

o amor supõe doses desumanas
de desapego de alegria
foi uma invenção dos deuses
para livrar o homem de sua carga
de desespero infelicidade
 mas esse unha de fome
prefere outros sentidos para sua vida
sua identificação com os pais irmãos
com o calo da profissão
com a igreja teatro inútil de operações
contra o que rói a alma
dorme melhor com as traças
roendo a renda fina da alma
será seu sudário
o bicho homem é inconcluso
seu quinhão de humanidade é incerto
por isso não troca o certo pelo duvidoso
mas esquece alegre a dúvida
até topar com a primeira desventura
por que se importar?
melhor uma desventura que duas
e assim por diante
é melhor que morrer de tédio

                                                         Igor Zanoni

terça-feira, 19 de julho de 2011

Crianças e gatos



Crianças e gatos

as crianças assim como os gatos
sabem achar o melhor lugar da casa
o cantinho mais acolhedor
o amigo mais sereno
e como os gatos são terrivelmente independentes
fazem das suas
querem tomar banho de chuva
não, entra, menino, você acabou de sair de uma gripe!
vestir a roupa que preferem
só comer o que gostam
colocando os verdinhos no canto do prato
mas não saem de certo perímetro
têm de haver tempo para correr para casa
quando se sentirem muito distantes
em um lugar que pareça estranho
eu sei porque criei muitos gatos
e muitas crianças
são todos cara de um focinho do outro
não se enganem!

                                                          Igor Zanoni

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Propriedade e desenvolvimento


Propriedade e desenvolvimento


Os autores da chamada nova economia institucional, cujo maior expoente é Douglas North, insistem na ideia de que a garantia dos direitos de propriedade foram um forte incentivo ao progresso tecnológico e ao desenvolvimento econômico. Mas é possível listar algumas observações sobre isso, como o anacronismo do conceito de desenvolvimento econômico. A ONU já trabalha há algumas décadas com indicadores de desenvolvimento humano, o IDH, que leva em conta não só renda per capita, mas esperança de vida e escolarização. Claro que há outros conceitos mais modernos e abrangentes que esse, mas mesmo no caso do IDH é possível observar países em que a renda per capita é mais alta que em outro mas a escolarização é mais deficiente ou a expectativa de vida ao nascer é mais baixa. Sem avançar mais, isto dá uma pista de que desenvolvimento econômico é uma utopia ou mito, como dizia Celso Furtado. Ou como diz Amartya Sen, o importante são as capacidades que as pessoas podem conquistar para funcionarem melhor em uma sociedade, não atreladas necessariamente à renda, embora é claro a pobreza e a miséria devam e possam  ser eliminadas em quase todo o globo. Ou “o importante são as pessoas”. Mesmo o crescimento econômico ou aumento da renda e do produto de um país não está ligado sempre à defesa de direitos de propriedade, como mostra a história de países que se tornaram ricos copiando técnicas alheias e protegendo os infratores, como indica Jo Chang em Chutando a Escada( Unesp, SP). Na luta que se trava pela Amazônia os direitos de propriedade contam muito, já que hoje se podem patentear organismos vivos ou drogas naturais da grande floresta. Por falar em floresta, o Brasil, num ranking de países segundo sua proteção ao meio ambiente, não ocupa um lugar muito baixo nem muito honroso, mas pode piorar o que é bem mais factível que melhorar, justamente pela existência dos tais direitos de propriedade que podem constituir um dos pilares do “desenvolvimento econômico”, mas não do desenvolvimento mais propriamente ou adequadamente entendido.


                                       Igor Zanoni
                                                        

Espinhos

Espinhos


esses arbustos de espinhos
toscos ásperos não toque
com o nome agônico de “coroa de Cristo”
sob eles os ratos fazem seus ninhos
ninguém vê nem se aproxima

                                                        Igor Zanoni

domingo, 17 de julho de 2011

Toque

Toque


no meio do caminho há pessoas
que sentem o chamado interior
uma insatisfação consigo
uma possibilidade de que a vida
não seja só isso por mais que sejam ou tenham
nós estamos acostumados
com certos padrões de espiritualidade
ou de idealismo
então nos tornamos devotos de maria
ou praticantes budistas
ou vamos praticar medicina na África
conscientizar camponeses
ou meramente se o padrão não for muito exigente
dar dízimos e esperar milagres
eu não tenho nada a dizer a esses buscadores
e você meu caro em que time você joga?
você quer ganhar dinheiro
quer ser filósofo ou amar a natureza?
você suscita forças poderosas
acredita na alquimia da culinária macrobiótica
no paladar do vinho francês
qual é o seu caminho
ou não tem nenhum?
já comeu cogumelo para ver Deus
ou é muito jovem para isso?
já criou filhos e se sente um pouco apreensivo
se sai cada um de um jeito?
não tem nada de errado em tudo isso buscador
mas não tem nada de extraordinário
aproveite sua chance de estar vivo
e de perceber o quanto de vida nos falta
vida é uma bela palavra
mas não há dicionário que a contenha toda
não há corpo não há mente
vai tentando buscador
não importa bem qual é a sua tribo
apenas seja sempre doce
seja bom e generoso não pare de tentar
seja paciente se concentre
outros toques não tenho para dar

                                                     Igor Zanoni

Cozinha


Cozinha

Minha irmã Ivone, que é nutricionista, massoterapeuta e grande cozinheira, telefonou para mim no sábado á noitinha e perguntou o que eu estava fazendo. Uma sopa. Ótimo! Sopa de que? Não sei, não olhei no pacotinho. Ela riu gostoso. Eu realmente não tenho pique para descascar cenouras e ralar batatas, mas minhas sopas são todas ótimas. Compro desidratadas na loja de produtos naturais perto de casa. Lá é meu supermercado. Tudo sem colesterol, cheio de ômegas, o máximo. E gostoso. Não compro os suplementos alimentares, alegria dos malhadores das academias do bairro, e dos policiais. O maior mercado da loja é a polícia militar que tem um quartel próximo. Todos os soldados bombadinhos, além de um monte de armas poderosas cujo nome desconheço, mas me assustam. Quando vão comprar suplementos, usam uma tática de aproximação da loja, com as armas engatilhadas, os uniformes, parece filme americano, O Exterminador do Futuro. Mas eles só querem ficar bonitos e atraentes, lá do jeito que eles acham que é ser bonito e atraente. Eu só quero meu pão integral, meu missô, minhas castanhas, meus risotos desidratados, minhas sopas. É claro que sou magro, nada nem um pouquinho musculoso, quero ficar leve para levar a vida com menos peso, o da vida e o meu. E comida é cultura.  Outro dia comprei um arroz preto, delicioso, suculento, arroz arroz. A loja tem de inovar para atrair a gula. Não é por ser magro que se deixa a gula. Fiz com lentilhas e pts, uma lentilhada. Mas as alfaces é preciso lavar, e bem, por causa dos agrotóxicos que devem ter. Estou louco para entrar em férias e ir á Itapira visitar a Ivone. Estou cansado de pensar em comida todos os dias, mas tenho de pensar para não ficar anoréxico. Que saudade da comidinha da mamãe! Mas hoje não tem mais mamãe nem as coisas que ela cozinhava. Que saco!

                                              Igor Zanoni 

sábado, 16 de julho de 2011

Utopia


Utopia

um dia haveremos de transformar
a nossa fragilidade em força
nossa insegurança no mundo
em um lugar seguro  para todos
nossa calma presença
em incômodo para os beligerantes
um dia invadiremos sua praia
faremos das tripas coração
quando não houver outro jeito
teceremos projetos
faremos da insônia
campo para outros sonhos
até que reabilitada a doçura da vida
possamos nos deliciar com seu gosto
nos quintais serenos
 onde apenas olharemos as pessoas
sem mais pressa para nenhum lugar

                                                     Igor Zanoni

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Finitude

Finitude

não percebemos o infinito
o absouto
como humanos entendemos
o que está aí
o que passa
como vem como se transforma
como finda
mas a própria extinção mal compreendemos
nem o surgimento primordial
mesmo nos limites nossos
nos enganamos
fazemos hipóteses tecemos axiomas
usamos a razão com disciplina
quando é preciso
quando não nos equivocamos
e este é um modo de sentir
nosso jeito secreto
que surge em sonhos ou paixões
nas nossas incongruências
pode a vontade ter razão?
então curvemos nosso corpo ao sol
a ele pertencemos
e aos elementos
a dureza da terra
a maleabilidade da água
a inquietude do ar
e assim como os bichos e as plantas
somos esse corpo
que vai e logo finda


                                            Igor Zanoni