quinta-feira, 28 de julho de 2011

Infância

Infância

No bairro do Castelo, onde meu pai comprou sua casa em meados dos cinquenta, hoje um bairro movimentado e valorizado, na época o fim da linha do bonde 10-Castelo, havia vizinhos mais pobres, remediados, aqueles como meu pai que faziam força para subir ou os que estavam apenas trabalhando duro para criar a família, operários, artesãos, comerciantes pequenos, feirantes. Minha mãe distinguia bem entre os garotos quem era digno de nossa companhia e amizade e os que ela chamava meninos da rua, em resumo, pobres e sem perspectivas. Eu não entendia a distinção, inclusive porque todos os meninos me pareciam hábeis em alguma brincadeira ou arte. Havia o Paulo Roberto Mathes, meu maior companheiro, perito no difícil jogo de botão. Também o Ito, da casa ao lado, cuja família era bem mais pobre, mas muito hospitaleira, e que era muito bom peladeiro, como, na outra rua, Djalma e Dalton. É difícil aqui citar todos, porque eram muitos. Num terreno baldio próximo havia uma cancha de futebol do time de mocinhos do bairro, que disputava um campeonato entre bairros. Aí jogavam os craques, como Ito. O apartheid que mamãe queria instituir ou manter morria nessa cancha. Nunca pude jogar bola nesse time, porque não era bom o bastante. Eu assistia aos jogos nos domingos de manhã, nos dias de semana ia zanzar por lá soltar papagaio, brincar de guerra de mamona ou comer erva doce. Nessa outra classificação social eu não era ninguém. Meninos e rapazinhos que falavam palavrões quando alguém errava uma jogada, que trabalhavam durante a semana, meninos muitas vezes um pouco endurecidos pela vida, diferentes de mim, mas que com a bola nos pés eram craques. Eram craques em muitas outras habilidades, mas eu não sabia. Torcia pelo time, vivia minha vida solta mas outra, já alfabetizado cedo por meu pai com a cartilha do Tomás Galhardo, de vovô viu a uva,  lendo Monteiro Lobato e páginas do Novo Testamento. Queria uma décima parte da habilidade dos meninos da rua com a bola de capotão, queria vestir uma camisa do time, com escudo e  número nas costas. Meu coração nessa época que preservo ainda nele era contra a discriminação social. Não por ser politicamente correto, mas porque aquelas crianças eram em muitos aspectos mais hábeis e melhores que eu, um reles perna-de-pau. Toquei para frente, o que fazer? Mas nunca joguei bola direito.

                                                              Igor Zanoni

2 comentários:

  1. Isso nós também temos em comum o amor igual a todos independente de seu cadastro social...
    Mas apesar de seu olhar apartheid de mamãe levo em mim suas amostras de acesso aos despossuídos financeiros em nossas visitas a favela para auxilio e orientações.
    Será assim, uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa?
    Já não importa
    O que ficou esta dentro de nós.
    Esse olhar pela vida sem rancor pelo que não foi
    Mas de paz pelo que sou

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  2. Lembro eu de Regina, Luciana, Olímpia que negra e de poucas condições financeiras papai um dia em minha adolescencia disse que não era companhia certa pra mim.

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