De Deus e do Diabo
Meu pai compensou sua intensa curiosidade intelectual em uma época na qual o conhecimento era mais difícil de obter sendo um valoroso autodidata, o que também ia ao encontro de seu individualismo. Como a maior parte das pessoas comuns, pensou que esse conhecimento deveria se amparar em uma sólida e permanente sabedoria que só as religiões têm a pretensão de dar. Estudou um pouco de tudo, da teosofia à ioga, da Bíblia como ela é a um olhar positivista até Pierre Weill. Foi uma viagem e tanto, da qual fui um copiloto ou pelo menos um atento espectador. A geração de meu pai fez muito disso, buscando renovar o sentido prático e existencial da religiosidade. Eu fiz um percurso mais tarde, li muito Paulo VI, o Vaticano II, os teólogos da libertação e sempre estudei e pratiquei a ioga ou o budismo para corrigir minha débil firmeza interior e psicológica. Minha analista Selma Chiandotti Lamas fez essa relação entre minha vida religiosa e minha relação com meu pai de uma maneira natural e profunda. Como no início das drogas psi e do rock progressivo eu tivesse os meus dezoito ou vinte anos, aliei tudo isto à busca espiritual. Até hoje sempre ouço e me comovo com George Harrison, uma cítara indiana ou John Laughlin. Minha religiosidade nunca levou em conta a figura do Diabo. Ele nunca fez parte das minhas cogitações, eu nunca fui dualista. Deus entrou na minha infância, por minha avó e minha tia Ivone, mas ficou uma sombra de mim, como minha própria alma, com quem converso de modo permanente. Não me pune nem me faz próspero, não me recompensa o bem ou o mal. Aliás acho muito equivocada essa dicotomia. Há quem queira abolir de suas vidas Deus e o Diabo. Este último é uma bobagem, mas Deus é difícil de deixar para quem teve uma família, um “romance familiar” como o meu. Acho que é assim. Não temos autonomia para ser o que quisermos, mas eu fiquei com uma herança preciosa.
Igor Zanoni
Nenhum comentário:
Postar um comentário